quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

o que nos disse alguém que nos viu...

e-mail escrito por Gabriel Bodestein amigo e companheiro da tati heide

Conversamos pouco ontem sobre a peça, até porque eu tinha acabado de assistir e precisava de mais tempo para digerir e traduzir as minhas impressões.
Eu gostei muito do trabalho. Acho que o projeto do grupo é muito consistente (e digo isso depois de assistir à peça e de ler o jornal-programa, além de conversar contigo no decorrer desse ano). Fica claro o engajamento e o entrosamento de todos os integrantes, o que resulta em um trabalho coletivo potente e objetivo. Explodir as paredes do prédio teatral, ir para a rua, para o albergue, perambular...tudo muito ousado. É preciso coragem, né?!

Me toca muito esse mergulho em busca de uma poética própria, autêntica, necessária. Tenho pensado muito nisso. Foi um dos motivos, senão o maior, que me trouxe para a EAD, para São Paulo: uma busca, uma imersão, um engajamento. Fico excitado ao ver um trabalho como o de vocês. Apoio, assisto e faço campanha! (rs)

Cara, aquele começo é vertiginoso. Andar por entre vendedores, lojas, barulho, cheiros, sons, pessoas... é algo realmente muito forte. E tive a sensação de ver a poética de vocês já ali. Ou seja, aquele "passeio" pelo calçadão me fez reconfigurar o olhar para aquele lugar, para aquelas pessoas e aquela situação. E então, o simples deslocamento do olhar já me leva para um outro lugar, um outro campo de sensibilidade e percepção. Muito bom.

No albergue é foda porque, como já te disse, vocês já começam o jogo com 1X0 no placar. Ou seja: o ambiente em si já faz metade do trabalho. O deslocamento é maior ainda. É como se não precisasse mais acontecer muita coisa. No entanto, é claro, vocês conduzem nosso olhar para um jogo muito interessante que se estabelece entre esses três níveis de pessoas que estão presentes no local: atores, espectadores, albergados. Sinto que todos experimentam o deslocamento. Atores, ao propor um jogo ambíguo de ficção/realidade com platéia/não platéia; espectadores, por entrar em um jogo ficcional dentro de um espaço real, com pessoas reais em situação radicalmente diferente ao seu lado; e albergados, por verem seu espaço dividido/invadido/redimensionado pela presença de um grupo de artistas e um grupo de pessoas limpinhas, bem vestidas e curiosas. Esse deslocamento geral fica no ar o tempo todo!!! E sinto que a poesia do trabalho de vocês é essa: conflitar esse emaranhado de sensações, impressões e depoimentos. E isso vocês fazem muito bem.
Além disso, a interação com os albergados é precisosa. Dar voz a esses caras é talvez o elemento mais forte desse trabalho.

Tenho a impressão de que vocês poderiam objetivar um pouco mais o caminho da dramaturgia. Para isso acho que seria interessante inserir na equipe um dramaturgo que dialogasse bem com o projeto de vocês. Para além do que já está construído e proposto, talvez seja possível inserir um elemento mais espetacular dentro disso tudo. Sinto falta de articulações dramáticas, de suspensões, de canções.

Gosto da composição dos tipos que vocês fazem, que ao meu ver, se inserem numa linha de trabalho parecida com o que fazíamos no Barracão Teatro: o tipo popular, o "caráter em movimento". Podem ser importantes também as referências da mimese corpórea do Lume. Acho que vocês podem verticalizar essa investigação.

Bom, acho que por enquanto é isso...

Mande um abração a todos e parabéns pelo belo trabalho!

Um beijo

Gabriel

2 comentários:

Anônimo disse...

Carol,

Ontem ouvi de uma pessoa querida algo muito parecido com o que vc me disse algum tempo atrás, que não dá pra viver uma paixão metade, não dá pra viver as coisas que acreditamos pela metade. Lembrei também de suas escolhas... me orgulho de você ter ficado! Não vi o trabalho, mas acredito na poesia dele, como disse esse moço. Acho que esse mundo está precisando de mais poemas assim...
Vida longa ao Grupo do Trecho.

Um beijo gigante, Val

henrique disse...

Algumas impressões:
Se fosse num albergue no centro a coisa ia ser diferente, ia ser mais teatral no sentido de sair d casa para consumir uma peça de teatro.
Mas não, estar numa região onde eu conheço em seus detalhes, onde eu proprio em varias andanças re-signifiquei aquele espaço de transição .