quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Grupo do Trecho cria a partir da prisão

Programação


.intervenções no parque.
memória e prisão

02.out no parque da juventude [antigo carandiru]


programação

14h. intervenções do grupo do trecho retomam nos espaços do parque o lugar da prisão.


15h30. [conversa pública] linhas de fuga: a mémoria, a cidade e a prisão.

convidados

adalton marques. Possui graduação em Sociologia e Política pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (2006), mestrado em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo (2010) e cursa graduação em Filosofia pela mesma instituição. Atualmente é pesquisador do Hybris (Grupo de Estudo e Pesquisa em Relações de Poder, Conflitos e Socialidades) e do NADIR (Núcleo de Antropologia do Direito), ambos núcleos de pesquisa do Departamento de Antropologia da USP. Pesquisa prisioneiros, "comandos" prisionais e sistema penitenciário.

jacqueline lima. Antropóloga em formação pela UFSCAR, pesquisa mulheres de detentos nos presídios do estado de São Paulo.

julia mello neiva. Advogada formada pela PUC-SP, especialista em direitos humanos pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e mestra (LL.M) em human rights fellow pela Law School da Columbia University-NY. É atualmente a coordenadora do Programa de Justiça da Conectas Direitos Humanos e tem atuado no combate e prevenção da tortura em unidades prisionais de adultos e jovens, combate à discriminação de gênero e de raça e promoção do acesso à justiça a grupos vulneráveis.

karina biondi. Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (2005), mestrado em Antropologia Social pela Universidade Federal de São Carlos (2009) e é doutoranda em Antropologia Social na Universidade Federal de São Carlos. Atua principalmente nos seguintes temas: PCC, prisioneiros, micropolítica, dinâmicas criminais.

luiz alberto mendes. De passagem intensa pelo sistema prisional, o escritor é autor de três livros, seu Memórias de um Sobrevivente, lançado em 2001 pela Companhia das Letras; Tesão e Prazer: Memórias Eróticas de um Prisioneiro, lançado em 2004 pela editora Geração e Às Cegas, também lançado pela editora Companhia das Letras em 2005. É também colunista da revista Trip.


18h. hip hop Ca.Ge.Be. [cada gênio do beco]
Formado na zona norte da capital de SP por Cezar Sotaque, Shirley Casa Verde e Dj Paulinho.

hip hop H2P – a confirmar
Formado por Alexandre Simões, André Simões, Leandro e Eduardo Ribeiro (www.h2p.com.br)




O que e porque desse encontro

.o que e porque desse encontro.


A idéia de uma esfera pública comum separada de uma esfera privada é utópica, irrealizável. A experiência urbana é antes fragmentada em diversas esferas públicas, coexistentes e um tanto isoladas, padecentes de entre-comunicação, enquanto juntas se alimentam.

Uma penitenciária é uma esfera pública também. Um local onde pessoas estabelecem experiências comuns. Entretanto é talvez a única dentre as esferas públicas urbanas que se apresenta de fato como isolada, sendo o isolamento sua principal característica. A penitenciária aparece como ausente do mundo exterior e o exterior como ausente do mundo da penitenciária. E, ao mesmo tempo, suas existências se remetem – como o dentro depende do fora.

Os trabalhos do Grupo do Trecho sempre se estabelecem partindo do pressuposto de que existem vários mundos em convívio – ou sem convívio – na cidade. Ou seja, não há uma linguagem a priori ou uma obra de arte fechada que o grupo desenvolva independente de algum contexto. Sua metodologia sempre parte da escolha de uma realidade específica, complexa, particular, para o estabelecimento do diálogo artístico, tanto através de um jogo de espelho quanto através do contraste – na fronteira entre a ficção e a realidade, entre o artefato e o fato. Escolher a penitenciária parte da vontade de se deparar com mais um universo “a parte”, universo esse de fato e propositalmente alienado do suposto ambiente comum de convívio.


Projeto Ausências cria a partir da prisão nasceu de uma urgência diante do choque.

Entrar, pensar, se relacionar, se sensibilizar com uma penitenciária faz cair por terra não só as noções que se carrega sobre o sistema carcerário, mas também sobre o Estado. Sobre a relação entre os homens. Sobre a idéia de bem e mal...

Então que vem a necessidade de criar reverberações da crueza e do desejo de outros possíveis para além de nossas pequenas reuniões de grupo. Então que compreendemos que não havia como exatamente criar um trabalho único, que desse conta de toda essa teia. E optamos nesse dia por um acontecimento também em teia. Em sobreposições de sentimentos, posicionamentos politicos, denúncia, espasmos, linguagem artística, linguagem antropológica…

Para tal, escolhemos o Parque da Juventude que fica rodeado de penitenciárias e órgãos públicos do sistema carcerário e que é a “ausência” da maior prisão da América Latina. Demolida após um crime de Estado – um massacre de muitas pessoas – ocorrido no mesmo dia em que faremos o evento - 2 de outubro - 18 anos atrás. Mais uma vez. Choque. Espasmo. Urgência de olhar. Afinal, não se pode questionar a existência de uma penitenciária...? Esse modelo é essencial como está posto? É essa existência urbana que se quer?

Para tal, faremos uma série de intervenções e performances, metáforas poéticas daquele espaço de confinamento e repressão. Para tal, convidamos pessoas que se depararam e têm se confrontado com a prisão, e que atravessados por ela, iluminam mecanismos de opressão e regulamentação da vida que são os mesmos das relações sociais mais cotidianas.

Queremos compartilhar com vocês esse universo que encontramos. Queremos convidá-los a propor conosco algumas questões por acreditarmos que elas podem furar o guarda-chuva de certezas que insistimos em criar e repor para continuar a vida, e abrirmos a brecha para se propor a dúvida e, principalmente, vislumbrar outros possíveis.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

projeto ausências cria a partir da prisão

um encontro. um espelhamento...

Estava a ler Manoel de Barros. E me deparo com um poema, do livro Menino do Mato, que de repente pareceu falar de nós. Nesse ano de Ausências... Para quem não é do grupo, leia como uma tradução do que está a ser adentrar a penitenciária... E para vocês, que estão junto comigo, ofereço o poema como um presente...

O abandono do lugar me abraçou de com
força.
E atingiu meu olhar para toda a vida.
Tudo que conheci depois veio carregado
de abandono.
Não havia no lugar nenhum caminho de
fugir.
A gente se inventava de caminhos com
as novas palavras.
A gente era como um pedaço de
formiga no chão.
Por isso o nosso gosto era só de
desver o mundo.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

2º Mapeamento

Fomos ao Centro. À procura do centro da questão Penitenciária.

É... ainda procuramos, já sabendo que não existe um centro: já sabidos os vários.

Procuramos um lugar que fosse um fulcro nessa cidade-hidra de milicabeças. Já tão sulcada: à bala, facada e porrada, à esbarro, empurrão e impacto.

Era pra ser ali no Vale do Anhangabaú, mas o chão nos disse: - Não! E antes dessa negativa, ainda perdemos o espaço primeiramente desejado para os corpos plásticos (no sentido industrial do termo) e pintados de cowboys, índias e o melhor do folk-lore nacional.

E defronte ao Correio Central, como que inconscientemente negando sua utilidade, escrevemos para aqueles que porventura nos procurassem, um grande bilhete sobre as pedras tortas, devoradoras ávidas de giz.

“Estamos no Páteo do Colégio. Ass: Grupo do Trecho”

Desta feita nos acompanhava Flávio, um cineasta chegado a temas políticos, sociais e contra-culturais. Tínhamos a primeira experiência, dentro deste projeto, de uma interação com a linguagem audiovisual. E a possibilidade da transformação desta ação performática num pequenino curta ou numa vídeo-arte, era instigante a nós.

Brancaleonicamente, nas costas mochilas, equipamentos e etecéteras, chegamos ao segundo lugar que não nos serviu. Acho que é um dos lugares públicos mais assépticos do centro velho de São Paulo. Até constrangia escrever no chão o novo bilhete. Outro lugar daqueles com mais pombos que pessoas. Se houvesse um lixo por perto, alguém chutaria.

“Estamos em frente ao Mosteiro São Bento. Ass: Grupo do Trecho”

E voltamos pro lugar que no caminho da mudança havíamos passado e já bem pressentido: espaço amplo, chão de desenhar, fluxo humano numeroso e constante.

Eis o solo: o suporte concreto para um mapa-reflexão da Penitenciária Feminina do Butantã, Rodovia Raposo Tavares, Km 19,5.

Eis o sol: rachando o coco enquanto se montavam equipamentos e figurinos eram vestidos.

O fulcro do mapa este nós sabemos: escreve-se assim:


MULHER PRESA


Dessas duas palavras emanam as certezas sociológicas, as indagações filosóficas, as impressões artísticas e as considerações (in)humanitárias do senso comum.

Emanam em forma de linhas riscadas no chão, brancas, verdes, rosas e azuis. Pontos profanos riscados na encruzilhada redonda do Largo São Bento.

Mesmo havendo a livre circulação de “coxinhas”, a fome de indignação do Francisco, menino de velho rosto, não diminuía, só aumentava. E também por isso ele tanto escrevia, somando esse sentimento à revolta contra um governador, um prefeito e um possível novo retorno do Alckmin, figuras que dificultaram a vida do povo de rua.

E se “coxinhas” em trânsito já trazem em seu recheio a paranóia do medo, quanto mais medo paranóico não existirá naqueles que cuidam das entranhas duras e obstruídas de um presídio, seja de fachada cinza ou rosa-violeta...?

Desta vez, o nossa mapa-reflexão desaparecia rapidamente sobre os pés da paulistânia, e as presenças ausentes das mulheres que nos movem os atos de agora, menos se inscreviam na pele crostosa da cidade.