quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

o que nos disse alguém que nos viu...

e-mail escrito por Gabriel Bodestein amigo e companheiro da tati heide

Conversamos pouco ontem sobre a peça, até porque eu tinha acabado de assistir e precisava de mais tempo para digerir e traduzir as minhas impressões.
Eu gostei muito do trabalho. Acho que o projeto do grupo é muito consistente (e digo isso depois de assistir à peça e de ler o jornal-programa, além de conversar contigo no decorrer desse ano). Fica claro o engajamento e o entrosamento de todos os integrantes, o que resulta em um trabalho coletivo potente e objetivo. Explodir as paredes do prédio teatral, ir para a rua, para o albergue, perambular...tudo muito ousado. É preciso coragem, né?!

Me toca muito esse mergulho em busca de uma poética própria, autêntica, necessária. Tenho pensado muito nisso. Foi um dos motivos, senão o maior, que me trouxe para a EAD, para São Paulo: uma busca, uma imersão, um engajamento. Fico excitado ao ver um trabalho como o de vocês. Apoio, assisto e faço campanha! (rs)

Cara, aquele começo é vertiginoso. Andar por entre vendedores, lojas, barulho, cheiros, sons, pessoas... é algo realmente muito forte. E tive a sensação de ver a poética de vocês já ali. Ou seja, aquele "passeio" pelo calçadão me fez reconfigurar o olhar para aquele lugar, para aquelas pessoas e aquela situação. E então, o simples deslocamento do olhar já me leva para um outro lugar, um outro campo de sensibilidade e percepção. Muito bom.

No albergue é foda porque, como já te disse, vocês já começam o jogo com 1X0 no placar. Ou seja: o ambiente em si já faz metade do trabalho. O deslocamento é maior ainda. É como se não precisasse mais acontecer muita coisa. No entanto, é claro, vocês conduzem nosso olhar para um jogo muito interessante que se estabelece entre esses três níveis de pessoas que estão presentes no local: atores, espectadores, albergados. Sinto que todos experimentam o deslocamento. Atores, ao propor um jogo ambíguo de ficção/realidade com platéia/não platéia; espectadores, por entrar em um jogo ficcional dentro de um espaço real, com pessoas reais em situação radicalmente diferente ao seu lado; e albergados, por verem seu espaço dividido/invadido/redimensionado pela presença de um grupo de artistas e um grupo de pessoas limpinhas, bem vestidas e curiosas. Esse deslocamento geral fica no ar o tempo todo!!! E sinto que a poesia do trabalho de vocês é essa: conflitar esse emaranhado de sensações, impressões e depoimentos. E isso vocês fazem muito bem.
Além disso, a interação com os albergados é precisosa. Dar voz a esses caras é talvez o elemento mais forte desse trabalho.

Tenho a impressão de que vocês poderiam objetivar um pouco mais o caminho da dramaturgia. Para isso acho que seria interessante inserir na equipe um dramaturgo que dialogasse bem com o projeto de vocês. Para além do que já está construído e proposto, talvez seja possível inserir um elemento mais espetacular dentro disso tudo. Sinto falta de articulações dramáticas, de suspensões, de canções.

Gosto da composição dos tipos que vocês fazem, que ao meu ver, se inserem numa linha de trabalho parecida com o que fazíamos no Barracão Teatro: o tipo popular, o "caráter em movimento". Podem ser importantes também as referências da mimese corpórea do Lume. Acho que vocês podem verticalizar essa investigação.

Bom, acho que por enquanto é isso...

Mande um abração a todos e parabéns pelo belo trabalho!

Um beijo

Gabriel

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Na praça, uns tempos atrás...

Recebemos hoje algumas imagens da intervenção que desenvolvemos durante a Mostra VAI Zona Sul, que aconteceu na Praça Floriano Peixoto (uma de nossas casas ao longo do ano) no dia 15 de novembro desse ano... As fotos foram tiradas pela equipe de um outro grupo fomentado pelo VAI, chamado UM OLHAR.



quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Música composta por Paulo Henrique de Souza, morador da Pousada da Esperança

No primeiro dia de apresentação do Sapato Sujo na Soleira da Porta na Pousada da Esperança, encontramos quando chegamos uma roda de samba... tocando violão, estava Paulo Henrique, que ao longo das apresentações se aproximou bastante de nós... Ele compõe músicas, e nos escreveu essa que se segue:

SAL DA TERRA

Como um galho seco
Sem nenhuma atenção
Como folhas secas jogadas pelo chão
Muitos homens e mulheres
Sem nenhuma direção
Sem carinho e sem amor
Neste mundo de ilusão
Escravisados pela solidão
Debaixo das pontes na escuridão
Procurando uma mão amiga
Para os socorrer
E esta foi a missão
Que Jesus deu pra você.
Vamos então nos unir, vamos trabalhar
Muita gente sofrendo nos espera
Estão chorando bastante,
Esperando por você
Sal da Terra, Luz do mundo
Esta foi a Missão
Que Jesus deu pra você!

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

E SE CHOVER?

Se estiver chovendo o encontro é na Casa Amarela (Paço Cultural Julio Guerra) que fica na própria Praça Floriano Peixoto nº 131.

domingo, 7 de dezembro de 2008

Como chego na peça?

Pra quem está com essa dúvida de como chegar na Praça Floriano Peixoto, aí vão alguns toques:

1. É próxima do TERMINAL SANTO AMARO de ônibus... existem muitas linhas de ônibus que vão para o terminal de diferentes partes da cidade, por exemplo, do Terminal Bandeira, da Consolação, da própria Av. Sto Amaro, da Faria Lima, da Av. Cidade Jardim... Informe-se... pode ter uma linha perto de onde você estará!

2. Também é próxima da ESTAÇÃO SANTO AMARO CPTM de trem.

3. Bem como é próxima da ESTAÇÃO SANTO AMARO DE METRÔ - LINHA LILÁS

Se você descer em qualquer um desses lugares e perguntar onde é a praça, todos certamente saberão te indicar.

Algumas referências: o Poupa-Tempo de Santo Amaro; O Largo 13 de Maio; a Igreja Largo 13 e a Casa Amarela (centro cultural).

Segue abaixo o link do Google Maps com o mapa da região (copie e cole na barra de endereços):


http://maps.google.com.br/maps?f=q&hl=pt-BR&geocode=&q=pra%C3%A7a+floriano+peixoto+santo+amaro&sll=-14.179186,-50.449219&sspn=70.404606,112.5&ie=UTF8&ll=-23.650264,-46.711893&spn=0.017297,0.027466&z=15


Até!

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

...


Reta Final...



Terminando os ensaios com os alunos, enfim, nos vemos beirando a ultima etapa de Sapato Sujo na Soleira da Porta em 2008...



caminho longo e cheio de surpresas, a verdade é que ainda nem dá para mensurar a experiência vivida...


ansiamos as conclusões, mas, mais que as conclusões, ansiamos o continuar da caminhada... qual um enraizamento que não encontra final...



Bifurcação de estrada: surpresa e novos rumos...

Acabamos de saber que ganhamos o PAC para a Produção de Espetáculo Inédito para 2009... seguem-se, portanto, os rumos do grupo... na busca de colocar luas no chão... Viva!

sábado, 22 de novembro de 2008

Fantasia na Rua...


Levar a fantasia à rua, deixar contaminar a vida com pequenas ficções, como que um convite a realidades outras menos chapadas e marcadas pelo sempre o mesmo dos dias. Um sempre o mesmo acelerado, cheio da pressa e do não tempo, tornando o olho menos sensível a cada pequena poesia dos espaços e dos outros.


Fantasiar-se as ruas, permitir-se ao fantástico, fora do carnaval... habituar-se ao não medo de quebrar com a nulidade de transeunte e acontecer mesmo aos olhos dos outros... bem como ser permeado pelas mais diversas leituras e permear a vontade de ler o que o olho vê e os ouvidos ouvem.


Cada lugar, um diferente mundo fantástico se criou.

No Largo 13 de maio, a reação em massa... gritos e anúncios e bolos de gente em volta, indagando provocando, cutucando... de raiva a emoção e apego... Todas as idades homens e mulheres, num envolvimento como o de torcida de futebol, entoando hinos e elegendo heróis.



No Parque Ibirapuera, o despertar das crianças, fomos brincados qual brinquedos, compusemos o fantasiar dos pequenos, que nos locomoverem e escolheram por nós nossos destinos.





Na Paulista... os diferentes caminhos nos levaram até um homem-mago, que desvendou em nós signos que nós nem sequer imaginávamos... de olhar penetrante e voz profunda, nos traduziu e traduziu um mundo de possibilidades, um mundo esperando interpretação e troca... De repente, a Miss era a Babilônia, o Mergulhador era o Dragão e a Noiva a Dama de Branco... Apocalipse feito em terra.


Um olhar mais demorado e apurado é o que se pode ter nessas saídas, atraindo os seres mais interessantes a se mostrarem na luz. Nossa fantasia aos olhos dos que nos vêem e nossos olhos vendo a fantasia nos outros. Fato. Há muito. Há tanto...

alguns focos de incêndio

Fui assistir à Homem Cavalo & Sociedade Anônima da Cia. Estável. Uma peça criada e apresentada num albergue público, o Arsenal da Esperança. Uma peça num albergue... descrição primeira que poderia ser a mesma ao trabalho do Trecho agora e no ano passado e que também poderia ser a mesma ao trabalho da Cia São Jorge em As Bastianas...
O espetáculo propõe uma linguagem absolutamente distinta da nossa, mas estar diante daquele elenco, em movimento naquele espaço, me fez ter uma sensação muito potente de que existe uma inquietação compartilhada, que está reverberando de maneiras distintas em uma série de locais e pessoas. O percurso que levou a Estável até aquele lugar é absolutamente diverso do Trecho que é também absolutamente diverso da São Jorge... entretanto, essa mesma vontade, a de atravessar fronteiras institucionais e de sair do espaço "autorizado" do teatro nos espelha. Para além do interesse específico em uma arte que evada a sala de teatro, há essa proposta de criar em relação, há essa necessidade de buscar encontros e de encontrar um olhar menos permeado pelos limites institucionais.
Esses três exemplos que coloquei acima são apenas alguns dentre muitas outras propostas e experiências desenvolvidas em diversos lugares do Brasil e do exterior.
Fui assistir à Homem Cavalo & Sociedade Anônima da Cia. Estável e saí revigorada... fortalecida... sentindo que existe, para além de minha iniciativa pessoal, um movimento acontecendo, que me parece uma reação comum... uma mesma rejeição às imposições espaciais e, logo, relacionais da estrutura social. E esse movimento novo e velho (por estar repleto de experiências já desenvolvidas no passado), essa nova tradução de intervenção, parece quase que ainda nem ter os termos de análise desenvolvidos... está ocupando mais o lugar da indagação do que da lapidação do já consolidado... abrindo um universo de possibilidades...
O que cada um desses trabalhos gera está, claramente, bem localizado... mas as propostas são tantas, são tantos os pequeninos focos de incêndio, que talvez, e vejam, talvez, estejamos diante de um possível descongelamento...

Teatro que se faz junto.


Dando os passos em direção a proposta de realizarmos a peça junto aos alunos do Núcleo Santo Dias... as aulas seguem cada vez mais fluidas e produtivas. Montamos junto com eles - Alemão, Zé Luis, Marcelinho, Walternei, Paulinho, Bruno... - um jogo de improvisação a partir do conto "O Embondeiro que Sonhava Pássaros" de Mia Couto e apresentamos no aniversário do mês do outro albergue da rede, a Pousada da Esperança e no sarau do próprio Núcleo.


Foi muito bonito, os alunos diante do público e todos os novos sentidos e intensidades que isso gera e nós, conseguindo de fato contar histórias junto com eles...


Um começo, novelo de lã desenrolando. Estamos mais certos de ser esse o caminho.


Mais caminhar... Transitando em Camaleão...

Após Blumenau, que certamente foi um marco na história do grupo, continuamos nossas pesquisas aqui na cidade grande São Paulo.
Diante de outras necessidades, Luísa segue em outros rumos, continuando a nos observar de perto, mas não de dentro. Entra para o grupo Tatiana Heide... novos ares, outra energia. Ela já nos acompanhava a um tempo, e foi nossa assistente em Blumenau. Hoje, partilha conosco a caminhada e as descobertas e as perguntas. Salve!

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Nós no AMBLU.

Ou

A Poesia na relação

Ou

O teatro para além do instante


Assim que decidimos nos inscrever ao festival, fomos atrás de descobrir se havia algum albergue ou abrigo em Blumenau, descobrimos o AMBLU e nós mesmos ligamos para ver se havia interesse no nosso trabalho e a aceitação foi imediata. Mandamos a proposta e passamos.
Para chegar ao abrigo do centro da cidade, o percurso é longo. E nesse percurso a mudança de cenário é radical. As casinhas alemãs, as ruas limpas, os canteirinhos de flor vão desaparecendo, aos poucos, morros e mata, casas cada vez mais dispersas, sem constituir um corpo urbano, casas cada vez mais pobres, barracos de madeirite. Subimos uma ladeira bastante íngreme e, enfim, isolado numa montanha, está o abrigo. E quando saltamos do carro, os rostos que nos observam são muito próximos dos rostos que encontramos no SAMIM e nos outros albergues nos quais trabalhamos. Afinal, a marginalidade é a mesma e a exclusão e isolamento também. Se nas ruas vemos muitos brancos e loiros e quase nenhum negro, no abrigo víamos os rostos mais diversos, eles estão lá sim, também existem naquela cidade, mas afastados, periféricos, sem macular o quadro vivo da pequena Europa no Brasil do centro de Blumenau.


O abrigo é de uma força quase que arrebatadora. Cercado de uma natureza exuberante, o terreno é grande, mas os aposentos minúsculos. Pequenas casas. Pequenos espaços. Pequenos universos: o dormitório, o refeitório, o salão de belezas, a horta, o varal, os carrinhos mágicos de um morador de rua que fez universos líricos sobre rodas... Um funcionário nos conduz por aquele espaço, bastante envolvido em poder fazer aquele local saltar aos olhos de outros. Antigamente, ao que contou, o local fora um prostíbulo. Pouco abaixo da montanha, um córrego, já totalmente poluído... podia-se ouvir o som da água.


Enquanto conhecemos os espaços, vamos nos apresentando às pessoas e contando sobre o espetáculo que queríamos montar lá e apresentar para público de fora no período de uma semana. Conhecemos rapidamente Mara Lúcia e Sônia. Deitadas no quarto, risonhas e conversadeiras. Mulheres fortes que se apresentam a nós com a intensidade de saber de si, com uma voz que se apresenta e que nos quer conhecer. Elas rapidamente se envolvem pela idéia e, enquanto jantamos juntos, nós a convidamos a participar da peça, com a total liberdade de elas fazerem o que quiserem e elas aceitam e ficam muito animadas, já inventando as possíveis fantasias que construirão conosco. Mara Lúcia decide ser dama de honra da noiva, já inventando na hora falas e canções. Sônia nos conta que já fez teatro e decide fazer a cigana da história da Miss.
Fora as duas, que já de saída nos abraçaram, houve outros que se envolveram de forma mais discreta, distante, crianças e velhos... e houve aqueles que, tranqüilos, deixavam-nos estar ali e criar ali... e houve também os desconfiados. E nós, impossibilitados de fazer um processo destrinchado, de maneira nenhuma de qualquer forma nos impomos a eles... sempre muito respeito, afinal, as vidas daquelas pessoas, sabemos, são muito imensas e merecem a maior admiração. No geral, de qualquer maneira, receberam-nos muito bem e aceitaram o que propúnhamos com tranqüilidade. Os funcionários, inclusive, gostavam da idéia de que outras pessoas pudessem ver o abrigo, conhecer o espaço.


Diante da intensidade daquele local, decidimos mudar a estrutura da peça e a fazer em deslocamento pelo espaço, itinerante, num formato totalmente diferente do que estávamos habituados. Aquele espaço gritava por outras descobertas que nós teríamos pouco tempo para assimilar... Criamos, pois, um roteiro que brincasse pelas vielas e pátios do AMBLU.


Dia seguinte, de ensaio, encontramos Sônia toda arrumada em cigana e já havia criado para si um espaço, bola de cristal em caixa de pizza... surpreendemos-nos um tanto... nunca alguém tinha se entregado tão rapidamente a nós... que alegria poder despertar essa vontade do jogo, essa vontade da ficção, adormecida em Sônia.
As pessoas do albergue nos acompanham no ensaio geral. Mara Lúcia se envolve totalmente no jogo e Sônia de improviso, entra também em outra cena como a dona do bar. Os moradores do albergue nos acompanham no ensaio. Como se fosse apresentação. Aplauso no fim e tudo. Fala de Mara Lucia: eu sei do que vocês tão falando. Dos sonhos que a gente tem e que não conseguimos realizar. Eu sei do que vocês tão falando.


Temos que fechar tudo muito rápido, pouco tempo que temos para ensaiar, ainda mais mudando radicalmente a peça, experiência que nunca tivemos antes, por sempre habitar um bom tempo o espaço de apresentação e convivendo com as pessoas... Dessa vez, foi tudo muito rápido e também muito intenso, laços que depressa já se formaram, nessa criação-relação artística, sim, mas muito íntima e direta, nós diante deles, eles diante de nós.


As apresentações correm bem com eles, dia a dia o trabalho cresce... conseguindo cada vez mais jogar com eles. Além de Mara Lúcia e Sônia, existem muitos outros, que mais como espectadores também se aproximam de nós, travando uma relação rápida e intensa... uma mãe com filhas pequenas... um senhor de pé machucado... um homem de palavras curtas e duras... um tanto de pessoas...


Os funcionários dizem a nossa orientadora que acham ótimo que Mara Lúcia e Sônia estavam fazendo a peça conosco, que as duas estavam animadas, mais seguras e envolvidas. Sônia nos diz que depois que a gente for embora ela vai organizar uma peça com os moradores de lá na qual eles possam contar suas vidas. Que seria um jeito do mundo os ouvir... Ficamos mais do que felizes. Afinal, sim, esse trânsito inusitado, qual um respiro no espaço, pode sim gerar pequenos brotos...
Damos fotos nossas com eles a cada um que estava mais próximo... difícil despedida de afetos que se criam rápidos, quando a poesia ajuda a dissolver as muralhas duras das relações cotidianas. Agradecemos-nos mutuamente, eles e nós transformados e certos de termos vivido verdade e de termos nos encontrado inteiros e respeitosos, de termos conseguido atravessar fronteiras que as estruturas nos impõe.
Hoje, votos para que o trecho siga rumo a melhores e outras paragens... e que a poesia possa coexistir na vida deles, bem como suas vidas coexistiram em nossas poesias.

Sobre o Festival Internacional de Teatro Universitário de Blumenau

Ou

Elucidações sobre o Panóptico

Ou

A Descoberta da Marginalidade

Ou

Sobre a Existência de Ilhas

Ou

Acerca da Moral Entre os Homens


Iremos nesse texto propor algumas perguntas, mais do que respostas. Por que é exatamente esse nosso caminho, o do questionamento, mais do que do resultado pronto... de estarmos de mala nas costas, sapatos e pé na estrada, mais do que construindo morada ou restaurando a velha casa.

Antes de mais nada, adiantamos que o festival foi absolutamente necessário para nos dar a certeza do rumo que escolhemos, bem como de entender que de fato, estamos diante de uma rigidez das formas, uma rigidez em muito aleatória, que pode ser amolecida ou questionada... Entendemos também que devemos ter mais cuidado. Afinal, os homens estão tão distantes um do outro que, se forem sair de seus pequenos mundos, precisam de todo um preparo para entrar em relação. Precisamos ser mais convidativos e suaves, mais condutores, para que os processos possam se encadear de maneira mais tranqüila, reverberando para além da rejeição.

Polêmica. Sim, isso que o trabalho gerou. Desestruturação e polêmica. A ruptura, que o grupo propõe como eixo fundador, ocorreu de maneira muito mais intensa no próprio festival do que no albergue.
Participamos de um julgamento, no qual nós, réus, havíamos cometido crimes, crimes morais e artísticos. Em nenhum momento, por exemplo, nas discussões geradas pela peça se comentou de outros projetos muito análogos ao nosso como o da Cia. São Jorge e "As Bastianas", como se o que tivéssemos propondo fosse algo impossível, ingênuo e equivocado, que não pode ser... como se nunca tivesse havido.
A verdade é que mal se falou da peça. O que de fato incomodou e provocou foi ter entrado naquele local, foram aqueles homens diante daquele local, foi o real batendo na cara e o que nos disseram foi, "não, não devemos nos relacionar assim, diretamente com o real".
Diziam apenas que éramos bons atores e paravam por aí, porque essa não era a questão. Por que essa não era a questão... nesse caso, julgamos nossa intervenção no festival (por que é assim que deve ser chamada), extremamente frutífera, foi o único debate em que não entrou em questão os pormenores do fazer teatral... o único debate em que se falou de vida. Alguns nos criticaram dizendo que o abrigo era mais forte do que nós e a isso, nossa resposta era "que ótimo".
Acusaram-nos de expor aquelas pessoas... Primeiramente, todas estavam perfeitamente cientes, e, no momento em que nos acusa, está menosprezando o poder de escolha delas, está necessariamente as acusado de inconsciência. Se ela quis se apresentar conosco, se quis se mostrar visível, nós, enfim, não deveríamos abrir espaço? E você, público externo, não deveria considerar que a exposição talvez seja almejada, em uma vida de exclusão e invisibilidade? Ou, será, não foi você público externo que se sentiu exposto e despreparado, quiçá envergonhado de ser visto por aquelas pessoas, uma vez que, dentro de um espaço que é muito mais delas do que vosso, elas não precisam se anular e se esconder no meio da paisagem urbana?
Diziam-nos também que não deveríamos contar a história deles, nesse momento, alertamos, "são contos de Mia Couto"... eles nos respondem, "mas tem a ver com eles"... e não deveria ter? E por que razão eles deveriam nos assistir? Logo depois dizem, "não, mas vocês são diferentes demais deles, são outros corpos, são outras vozes"... ah, mas então porque iríamos lá se não fôssemos trazer nada de novo?
Comparavam o tempo todo o espaço com hospitais e hospícios e seus freqüentadores como doentes, foi então que ficou claro, eles não tinham idéia do que era um albergue, morada provisória em tempos de instabilidade. E, hora, desabrigados são necessariamente doentes mentais? Foi assustador o quão distante aquele mundo era daquele público.
Propunham-nos um trabalho assistencialista, de apresentar uma peça só para eles, e fazer pesquisa de campo e apresentar fora dali, quiçá na rua. E não seria nesse caso que eles seriam também explorados? Tendo sua vida utilizada sem que eles pudessem de fato aparecer e falar conosco? E que transformação de espaços e novo fluxo estaríamos propondo dessa maneira?
Também nos indagavam "e quando vocês vão embora, o que acontece? Como eles ficam?" e nós nos perguntávamos, mas por que deveríamos oferecer essa garantia exata só porque fomos lá? Por que não podemos ser apenas uma passagem, que pode ou não movimentar o lugar em novos rumos? E no teatro de palco, o que acontece com o público que vai embora? Por que nesse caso o ser efêmero é tão mais aceito? Por que aquele público se quiser pode ir em outra peça e o público do albergue não? Ah, então se eles não podem ter acesso sempre eles não devem ter nunca? E, de qualquer maneira, passamos dias lá... não foi assim tão passageiro...
Foram no terceiro dia e disseram que não tinha ninguém do albergue vendo. Primeiramente, muitos já haviam visto tudo e não sentiam necessidade de ver de novo, ficando sentados, observando a nossa passagem... e conversávamos juntos depois que tudo terminava... Depois, haviam sim gente de lá acompanhando... por exemplo uma mãe com duas filhas. Por que elas não foram reconhecidas? Por que não aparentavam ser de rua?
Disseram que estávamos diante de uma questão ética. Não negamos as possíveis contradições do que fazemos. Mas o conflito de classe real gerado daquele encontro não pode ser uma proposta real? E essa moral, essa lei de relacionamento humano, tem fundamento em que? Não devemos então nos olhar de frente, devemos sempre legislar os limites, para não correr o risco de que as coisas mudem de lugar?
Alguns diziam que nosso interesse não era teatro, que não estávamos fazendo teatro, que era na verdade assistencialismo social, ou ação política... Mas quem foi que estabeleceu esses limites, se não tu que nos julga agora? E qual a vantagem de separarmos tudo? Por que não mesclar as fronteiras e se preocupar menos com o resultado artístico e mais com o encontro humano e a desestrutura política? Daí que nos entendemos diante de uma estrutura de Panóptico - centro penitenciário ideal desenhado por Jeremy Bentham em 1791, no qual todos os aposentos podem ser observados de uma torre central, sem que dos aposentos se veja o observador -, que esse grande olho que julga, pune e estabelece os limites já nos é tão natural, que passamos a também legislar e estabelecer limites e punir em nossos meios.

Talvez, de fato, a situação do festival tenha sido demasiadamente artificial para o trabalho... afinal, as pessoas tinham que assistir para, por exemplo, julgar, e não tinham como escolher se queriam ou não ir... Além disso, nesse formato, não preparamos nenhum programa, como havia na primeira versão do SAMIM, o que talvez tenha deixado as pessoas mais carentes de dialogar conosco...

De qualquer maneira, muito mais do que imaginávamos, entendemos o qual de fato as esferas sociais estão fragmentadas e que, para aproximá-las é necessário muita cautela, mais do imaginaríamos.

Além de tudo isso, em meio aos olhares de repressão, haviam aqueles que gostaram e se aproximavam mais como cúmplices, as vezes até em segredo para que os outros não vissem. Dentre as coisas boas que nos disseram, nos iluminaram de que o que estamos fazendo é "realismo fantástico".
.
.
.

Qual a real vantagem na reprodução de formulas perfeitamente aceitas e reconhecíveis? Por que não arriscarmos errar sem nos defender da possibilidade da queda? Por que lustrar o mesmo palco e limpar suas cortinas vermelhas? Que o nosso desejo é abrir mais vazão ao desejo... menos formais e mais diante do outro... buscando essa estrada comprida que não chega a lugar nenhum se não nela mesma... rumando encontros e gerando potencialidades.

Sapato Sujo na Soleira da Porta em Blumenau

Inscrevemo-nos no Festival Internacional de Teatro Universitário de Blumenau e passamos. Inscrevemo-nos da vontade de poder estar no trecho de fato, mala nas costas, propondo nossas rupturas em outras margens, dispersas. O que poderíamos imaginar acerca da repercussão de nosso trabalho em um festival universitário de teatro certamente nem passa perto da experiência vivida. Surpresa diante de uma intensidade arrebatadora. Surpresa diante de nosso deslocamento. O trecho, enfim, independe da viajem, a marginalidade, percebemos só nesse momento, faz parte de nossa espinha dorsal mais primeira. Há em nós o que nos faz estar fora, mais na estrada do que no prédio, e assim, há em nós o que causa desconfiança, receio, reprovação.
Tão surpreendente foi a experiência vivida, que necessitamos de um tempo até organizar um texto a respeito... passou-se quase um semestre inteiro do festival...
A verdade é que o que vivemos duas histórias paralelas nessa viajem, a nossa história junto ao AMBLU (Abrigo Municipal de Blumenau) e seus freqüentadores e funcionários – local onde aconteceu o espetáculo –; e a nossa história junto ao festival propriamente dito.
Tentamos escrever as duas histórias juntas, mas pareceu tão surreal e absurdo, que preferimos descrever as duas histórias separadamente... os dois relatos e impressões seguem nas postagens acima.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Breve relato da passagem de uma Miss.

Centro da cidade em Miss afeita, Anhangabaú à Luz.



Mulher que deixa transparecer suas curvaturas, em muito maquiada, peruca loira, com faixa de miss. Causa desconfiança. Causa desprezo. As outras mulheres olham de cima abaixo, comparam-se a mais primeira vista, espelho de diferenças. O homem, o homem já encaminha pensares luxuriosos noturnos.

Das falas que se escutam, passando-se depois que ela passa... "vadia" "onde já se viu miss perder a pose" "maquiada assim, é prostituta"...

Momento de choque quando ela senta e tira a meia calça. O sapato de salto havia quebrado e o chão molhado, ensopava a meia. Todos recriminam um tanto.

"Deve de ser doida".



Na luz, eis que um homem, que só é homem por assim ter nascido, corre a Miss e já tira os sapatos, mãos dadas vão os dois caminhando pelo jardim. Ele ri alto e os dois dançam, "você é linda, um luxo", ela espelhando nele sua alma toda femina brilhante... Apresenta-a aos homens que acha bonito, ela talvez os conquiste e ele, através dela...



Aos poucos dissolvendo-se o tudo, banheiro da luz, a Miss volta a sua face mais transparente.

Fica-nos... a mulher, parece, precisa mesmo, como sua função primeira ser atraente... mas não demais, nunca demais. E está sempre sendo avaliada, qual em prova constante, devendo ser agradável, devendo ocultar suas potências, cuidando de nunca aparecer o selvagem.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Desenho do IVO

Ivo, Ivo Sidney Mendes Silva, é nosso aluno no Núcleo Santo Dias da Silva. Eis. Um desenho de Ivo...

anedota fantástica de uma noiva no centro da cidade. um segundo episódio.


na cidade de são paulo

banheiro estação são bento. eu tremia, mãos, tremia. na frente do espelho, o vestido posto, na frente do espelho. finalizava-me, penteado, maquiagem. mais uma vez, o vestido, o branco, e eu tremia. o fato: impossível acostumar-se. o vestido implica necessariamente no desconhecido, necessariamente na rejeição dos outros, necessariamente na refeitoria de mim. em mim mesma. as pessoas saem de suas tocas para me ver, as pessoas não escondem olhares na rua, não escondem perguntas, qualquer, qualquer, perguntam tudo, resposta qualquer, qualquer, qualquer que viesse bastava. "tá procurando o noivo? tá perdida? o mosteiro tá pra lá... você vai se casar? perdeu o noivo? olha lá! olha a noiva lá! o noivo tá aqui, olha ele aqui!"
vou caminhando por dentro da estação, percebo, não eram as pessoas que estavam saindo de suas tocas, eu é que estava indo para o ninho, do pouco a pouco de gente que se achegava, de repente, multidão, miolo da são bento e, passo pra fora, ladeira porto geral. mais gritos mais que mais. começam também os celulares. sim, não há escapatória, sempre, sempre haverá os celulares e suas fotos. passo do lado de um vendedor, entoando sua ladainha de venda de não-sei-que produto, de repente, ladainha mesma, muda o produto com a minha passagem. "casamentos. vendo casamentos também."

estou tonta. tonta e caminho. o dia, cinza e frio. e eu caminho. uns vem querendo me dar ajuda e eu não quero, não quero ajuda. apoio-me nos prédios. "você está se sentindo bem amor?" concordo com a cabeça. é minha cabeça. ela que concorda e nega tudo.
olho o pontilhão abaixo, subo no parapeito. tempo nem de um segundo, guarda pula e me tira rapidamente. já sabia da reação, queria conferir, as vezes, quem sabe eu estivesse enganada, não haveria tantos fiscais, tantos olhos defendendo o manter do mesmo. o manter do mesmo. o manter do mesmo.
me solto, sigo à sé. no caminho, homens mechem comigo e mulheres gritam, "respeita a noiva! respeita a noiva". outras, outras já disputam o buquê. "joga o buquê! é meu, é meu!"
a sé. antes de atravessar a rua e adentrar a praça, tiro os sapatos. olho de longe. vou passando e no meu caminhar, distraio o pouco público do pastor que deixa de ouvi-lo para seguir a mim. passo no centro de uma roda de amigos e olho, o marco zero, centro da praça, em cada canto, lugares, rio de janeiro, minas gerais. eu estava no umbigo de são paulo. com a ponta do vestido branco, começo a limpar o marco, minas, rio, o mapa no topo. de repente, percebo, muitas pessoas aglomeradas ao meu redor, uma roda, muitos, muitos celulares. olha pra cá, olha pra cá. muitas, muitas indagações. agacho um pouco ao lado da pedra, apenas eu no meio daqueles tantos. levanto-me em direção à catedral, imensa, inflexível, eu, miúda e descalçada.
sigo e sento apenas no primeiro degrau. uma mulher. "coitada. coitada dela, ele te largou, não foi, filha? coitada, coitada dela". olho para as pessoas. miúda e flexível, olho para o muro-gente. viro, mais uma vez olho a entrada da catedral. será que entro? sigo mais alguns degraus. não consigo. não consigo. sento.



eis que uma mulher, uma mulher filha daquele umbigo, buraco negro de São Paulo, uma mulher da rua, daquela praça, órfã de quatro paredes me olha de frente. fala direta comigo, sem construção, sem medo, sem ironia, sem volteios. olha-me no olho, olha direto. “pronto, acabo, pronto. você é nova. tem um tanto pra vivê ainda. o que já foi, já acabo, e pronto, né?”. eu olho aquele rosto que me olha suave, rosto já sem dentes, mas tão bonito. o rosto mais bonito. o mais bonito. “você qué entrá na igreja?”, eu concordo com a cabeça. “pode deixá, eu te levo”. estende-me sua mão e eu entrego minha mão à ela. pegou-me e laçou meu braço no seu, qual noiva, e me conduziu para dentro da igreja. foi a primeira, a primeira pessoa que me quis, daquele jeito, sem modificações, que simplesmente deu-me o seu braço para compor com o meu. eu e aquela mulher. eu e aquela mulher éramos marido e mulher. ajoelho e ela senta ao meu lado. rezo e ela reza comigo, guardando-me em seu zelo suave. terminadas as ave marias e pais nossos, olho para ela. vamo?, ela concorda, novamente trança meu braço ao seu, dessa vez conduzindo-me ao fora, ao mundo. olho, na saída da igreja, estátuas. elas tão sujas, eu preciso limpá elas. sigo à uma e ergo o vestido em meus gestos de limpeza. “não, não, você não precisa disso.” e não é me reprovando que me diz, mas com ternura de quem entende da vontade de lustrar a pedra. vou à outra estátua “não, você não precisa disso, porque você tá boa, o que já foi já passou”.



eis que um homem pega violentamente o meu braço “onde você pensa que vai? espera um pouco aqui que a gente vai fazer umas perguntinhas pra você”, vem outro homem, “vamos ali no posto policial”, a mulher, do meu lado, se adianta, “não, ela tá comigo, eu to levando ela já no posto”, isso, ela me leva, “não, a gente que vai te levar”, eu só confio nela, “eu to cuidano dela” “você?” é, ela tá cuidando de mim. “então, vamo fazê assim, ela te leva e eu vou junto” não, só ela. tento continuar caminhando, mas o homem me prende, me segura ainda mais forte pelo braço. ai, você tá me machucando! “solta ela, solta ela, você tá machucando ela”, ela dá um jeito, nós nos soltamos dos dois...

“você viu o que eles queria fazê? eles ia te levar pro hospital de loco.” eu não havia percebido. “você, você é igual eu”, seguro firme seu braço, “eles tava querendo te arrematá, cê tem que ir embora da sé”, me leva pro metrô, “isso, vamo. eles queria te arrematá! bando de homem safado!” mais uns homens se aproximam, ela espanta todos, “sai! eles tá tudo querendo te arrematá, querendo roubá sua história.” compro a passagem, “presta atenção, quando os homem vié, cê foge, não deixa ninguém te arrematá”. ela, única que não me queria por a parte, única que me quis livre, que eu não me deixasse, eu não me deixasse levar. qual seu nome? “simone” você é um anjo simone. você me salvou. “cê que é meu anjo, eu num vôo esquecê de você nunca.” diante da catraca, “eu to com dor no coração de te deixá ir. cê vai ficá bem, não vai? cê não vai deixá os homi te pegá?” não. não. eu vô ficá bem. nos abraçamos, num longamente, longamente guardado, marido e mulher, foi uma vida inteira que vivi com ela naquele momento, eu e simone, meu noivo, olhos marejados da despedida, abandono depois do encontro, do espelho. ela, o rosto mais bonito. o mais bonito. ela, ela me fez crer de novo. crer de novo naquilo que envolve. crer no homem.
lembro da pergunta que me haviam feito, “você tá procurando um noivo?”, percebo, eu estava. procurava um noivo. e encontrei Simone.
separada dela, separo-me de algo de mim que só ela poderá ter, há algo de mim que só ela viu e que só ela poderá guardar ao lado.
.
no metrô, dentro do metrô, ninguém me olha de frente, os olhares são desviados, aquelas pessoas, elas se acostumaram a olhar o escuro. sigo até a armênia e lá, outro mundo. de risos e brincadeiras leves, os homens insistentes e animados oferecendo-se como noivos, num coro intenso de assovios, comentários e propostas, “eu tô aqui amor, seu noivo”, não, meu noivo ficou na sé, pensei. entro num bar, tomo água, café, suavemente embalo as pessoas na fantasia, e elas divertosas, se esparramam com minha passagem. um bando de crianças sai, olha a noiva, olha a noiva, uma noiva, uma noiva!, até que uma, mais adiante, pergunta, malandra, "onde cê vai? você fugiu do noivo foi?", olho sorridente, respondendo a malícia da menina, ela entende sozinha que sim.
volto ao metrô, seguem-me os seguranças que carrego até a rodoviária. lá, deixo-os assim como deixo a roupa, dispo-me do vestido, incerta de querer despi-lo, há algo em mim, algo que queria ficar na roupa, mal consigo mapear o quê, o quê me faz retornar ao todo dia, mesmo que mesmo. penso, a noiva é o meu caboclo de lança, o vestido é o manto, a véu é a cabeleira, o buquê é a lança. penso, a noiva é o meu carnaval. desentendo de novo, como é possível retornar depois do carnaval?
.
entretanto, ainda que despida da roupa, sei de meu casamento, a qualquer um que me venha, entenda, casei-me já, casei-me tanto, dos olhos que se entenderam, profundo olhar de cão por onde se espia o Mais.





por Carolina Nóbrega