quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Sobre Na Prisão...

Na Prisão de Kazuichi Hanawa

Por Carolina Nóbrega

Já totalmente inundada e atenta a tudo que pudesse iluminar minimamente acerca do isolamento penal, deparo-me por acaso com um livro de título sugestivo, por acaso (ou para mim) em destaque na prateleira de uma livraria. Abro. Surpresa. Trata-se de um mangá. Na hora o carrego comigo para casa. A contra capa já me desarma. Trata-se de um relato autobiográfico em desenho.

Kazuizhi Hanawa foi preso em 1994 por porte ilegal de armas, quando foi surpreendido atirando sem propósito no alto de montanhas. Foi condenado a 3 anos de prisão.

Certamente, o encontro com esse mangá desconstruiu muito do que eu já houvesse imaginado e concebido acerca de uma penitenciária. Seus relatos são absolutamente realistas e cotidianos, desenha detalhadamente os espaços da cadeia, com uma precisão quase fria. É um livro cru, amoral, que se distancia da idéia de denúncia política, bem como de qualquer sentimento de injustiça pessoal. Ele fala da banalidade, da passagem tediosa, repetitiva do tempo. Agora, depois de alguns bons meses frequentando de fato um presídio me é nítido na pele o quanto habita, dentro dos corpos, sensações e emoções das pessoas submetidas a um regime carcerário, essa banalidade, esse tédio, essa inércia emocional.

Sim, isso também é visível na realidade liberta, ou, mais propriamente, na realidade fora da cadeia. Estamos sujeitos ao mecanicismo diante de qualquer sistema (até e talvez principalmente ao que nós mesmos nos impomos), mas, alerto, não é a mesma coisa. No presídio há algo que vai se incrustando nas pessoas, como quase uma impossibilidade de alimentar qualquer tipo de fogo ou anseio político. Ele aparece, por certo, mas rapidamente se desarma ou não consegue muito avançar além das necessidades puramente cotidianas. Há mesmo um imobilismo doloroso, uma falta de energia latente. Um espaço que suga o espírito. Isso acontece com os presos e MUITO também com os funcionários (neles, nos funcionários, talvez até apareça com mais nitidez, intensidade, ou loucura, para mais sobre o assunto, vide Kafka...).

A idéia da prisão de dentro e da prisão de fora também aparece sutilmente no mangá... Aparece de repente, quando o leitor se atenta a algum comentário do protagonista, como o de que era muito libertador não precisar mais pensar em pagar os impostos...

Na prisão me impactou ainda pela forma como ele alterna um realismo extremo (principalmente em relação ao desenho dos espaços) com um exagero próprio ao mangá (como no momento em que contam do homem que foi pra solitária por jogar palavras cruzadas de forma extremamente banal, mas o desenho do homem na solitária é quase expressionista), ou até por alguns desenhos mais fantásticos, insanos (como no momento em que o autor conta que foi transportado algemado por uma corda via transporte público até o presídio... nesse momento, ele se retrata como um cachorro...).

A idéia de que o homem se torna institucionalizado é muito bem retratada... principalmente em três capítulos. Num deles, ele fala sobre como o presidiário sente a passagem do tempo, através de um homem que sente o dia passar pelas refeições, e que, ao final de tudo pensa algo como, “O tempo passa depressa aqui. Só faltam seis anos”. Noutro, mostra o pânico de um homem que está para ser liberto e não sabe se dará conta das pressões do mundo exterior. E em outro em que o protagonista – diante do fato que lá dentro, em sua jornada de trabalho, tem que pedir “por favor” para tudo –, se imagina liberto, gritando “por favooor” ao garçom num restaurante.

Chegando ao final do livro, que para nós, ocidentais, seria o seu começo (para quem não sabe, um mangá se lê de trás para frente), percebo que a introdução estava lá... no fim. Eu ainda não a havia lido. Essa introdução, escrita por Tomohide Kure um crítico de mangá, que conhece pessoalmente o autor, Kazuichi Hanawa, foi o meu último e talvez mais intenso choque, diante do qual entrei numa reflexão profunda e repensei o meu trabalho dentro da penitenciária. Nessa introdução, em dado momento, ele diz que já teve uma série de amigos presos, que ele aos poucos descobriu aos poucos a melhor forma de escrever cartas para eles – que, inclusive, todos seus amigos quando libertos diziam a ele serem as melhores cartas que recebiam. Suas cartas se atentavam a descrever as coisas mais cotidianas e banais – lembrei-me nesse ponto, de um momento do HQ em que o protagonista e seus colegas de cela, mudam rapidamente de canal quando começa o jornal, para ver um programa tosco. Afinal, o que eles poderiam fazer diante de qualquer informação acerca do mundo exterior?

Tomohide Kure em sua introdução, conclui esse momento dizendo que o único jeito de sobreviver ao sistema carcerário sem enlouquecer é banalizando-o, é compreender a vida da maneira mais direta e simplória... comer, trabalhar, dormir... sem isso viver ali se tornaria totalmente insuportável.

Não sei até que ponto consigo simplesmente acatar esse fato. Mas certamente em muitos momentos, isso é totalmente perceptível e palpável dentro da cadeia...

Enfim... Decido por não concluir nada a ver se divido contigo, que leu esse texto, minha crise inconclusa.

criar sobre a prisão nas paredes derruídas que nunca foram nada...



Foi um dia caótico e corrido... cheio dos caminhos, dos sustos e das contraposições. Não conseguirei escrever aqui de forma mais clara e descritiva, portanto. Me esforço para realizar esse registro, entretanto, porque acho necessário, porque me grita... estou já a quase um mês tentando iniciar esse relato. Devo escrever novamente, com outras coisas que provavelmente esquecerei de escrever e lembrarei depois. Por hora, deixo então que meus dedos simplesmente escorram pelo teclado.



... Chovia na manhã do dia 2 de outubro de 2010... o que assustou pouco as pessoas do parque. Ele estava um pouco vazio de sua vida de final de semana... o público foi principalmente os nossos convidados. E nós, submersos por esse processo confuso e desconstrutor, buscamos as primeiras possíveis braçadas de um debate público e poético, de uma reescritura do que é a vida urbana, a partir do olhar sobre o aqueles que se escolheu excluir pelo estado. Um encontro entre universos e entre linguagens...



De um monte de idéias e sensações divergentes entre cada um do grupo (divergentes mesmo dentro de nós mesmos), optamos por pouca coerência, pegamos tudo que se apontava e espalhamos no parque da juventude, a ver o que aconteceria nesse encontro, o que aconteceria no compartilhar público de nossas descobertas ao longo de seis meses de Penitenciária Feminina do Butantã.
Uma mulher-placa egressa, que trabalha em qualquer condição.
Cartazes caóticamente colados e espalhados, com todos os tipos de dizeres.
111 corações de galinha para 111 presos.
Uma mulher que obedece a uma gravação e se aprisiona em um quadrado no chão.
Um debate no meio das ruínas de um não-lugar (uma construção de um anexo do Carandiru que nunca chegou a ser terminado)...
vozes de um poeta que foi preso por 30 anos...
vozes em defesa dos corpos cheios...
vozes que falavam do excesso de estado...
vozes que emitiam terríveis estatísticas do sistema penitenciário...
vozes niilistas...
vozes que vêem portas...
vozes que acreditam no poder do indivíduo...
vozes que acreditam no poder do confronto claro...
vozes que explicitam questões de classe e exclusão...
não-vozes dos que se calam.
. e as belíssimas vozes ritmadas que emitiam poesia em sentido explícito, com toda a viceralidade da vida em seu sentido de urgência, do pessoal do CaGeBe...



Muitos equívocos, muitas arestas, muitas sensações de outras possíveis ações e outros possíveis rumos... se atentando para a extratificação da experiência urbana em espaços isolados, que estamos realmente acostumados a viver e reiteramos... Explodem perguntas que pedem novos testes de possíveis encontros públicos: Como transformar em acontecimento público as discussões herméticas? Como misturar poesia e análise? Como a música invadir os espaços das falas, como a performance emergir explicitando o sensível por detrás dos dados numéricos? Como realmente dialogar as diferentes formas de falar?...

Ao fim do dia, sobretudo, ficou a sensação de caminho que se abre como picada no mato. Um evento criado no susto da urgência, que explicita possíveis... e a potência e necessidade de explosão das visões sobre a cidade... afim de quebrar a mítica sobre os espaços e deixar brechas para o nascimento do novo... e para o embate potente da exposição comum dos olhares de muitos...

Obrigada a todos que estiveram conosco aquele dia! Que outros encontros venham, aprofundem embates e criem rachaduras...


domingo, 3 de outubro de 2010


Junto e misturado: uma etnografia do PCC
Karina Biondi

por mafê







De repente a prisão se achegou à vida assim sem dar de quando. Quando viu era mais que mulher, era mulher de preso. Acho que foi para engolir os dias que passou a pensar aquilo como lugar de potência de aprendizado. E assim foi.

Visita após visita foi conhecendo o sistema e nele seu PCC. Seis anos. Teve de apreender seus códigos fluidos, sua moldura movente. Mulher, mulher de preso, mulher de preso em cadeia de PCC. Passou a compartilhar, graças ao seu marido, das conversas com os irmãos ali em caminhada.

Foi assentando em seu olho de antropóloga o que significa o lema paz, justiça, liberdade... e igualdade.

Onde se teria mais Estado do que num presídio?

No andar do tempo, ela vê um PCC sem hierarquia definida em comando centralizado, percebe que aquilo tudo é outra coisa, “crime organizado” não dava conta do acontecimento do 15. Sem terrotório nem comando fixado, perene, tem é um “proceder” transcendido em orientações coletivas. É mais ou menos assim: há uma transcendência PCC, uma aura comportamental que concede diretrizes a uma série de atores locais e contingentes que decidem e se responsabilizam por cada decisão tomada. O irmão tem de ser capaz de sustentar e defender seu ato frente o coletivo e esse ato deve estar de acordo com esse código superior, transcendente, ideal, em que todos se apóiam para dali criar seu cotidiano. Esse “proceder” [e sobre isso, ler o Adalton Marques] significou uma viragem forte para a operabilidade do sistema prisional: entre as pessoas presas, acaba-se com as relações de violência e poder baseadas na força individual. Fim dos estupros, fim dos aluguéis de xis e de tantas outras posturas onde presos fisicamente fortes violentam presos fisicamente fracos. Pra geral aparece a figura do coisa, e também a sua exclusão do convívio (muitas vezes mortal). Entre aqueles que partilham a caminhada, deve-se agir pelo certo. O foco da ação, mais do que nunca coletiva, é quebrar a cadeia.

E na relação entre presos e instituição, outra viragem: uma série de irmãos articulados constituem-se como negociadores frente a instituição. A violência institucional enfrenta agora oponente forte, violento como ela, impassível aos seus desmandos. O PCC passa a combinar estabilidade, já que é grupo real (alguém tem dúvida?) generalizado e forte nas prisões; e instabilidade, pela fluidez das suas articulações de poder e de seu espaço de influência.

Para pensar essa instabilidade, Karina vai buscar Deleuze e Guatarri. Encontra neles a potência da ideia de rizoma, uma grama feita de poder: não há um ponto central, um caule que se cortado a estanque. A grama cresce sem ponto convergente. O PCC não é controlado por Marcola ou qualquer outro. É contingência dos atores que o realizam e recriam, pautados em ideias, que as ações também sustentam e atualizam. O jogo de responsabilizações coletivas traz o peso que têm qualidades de fala, de posicionamento público. Cada irmão deve ser capaz de discutir suas posturas frente a população e de representa-lo frente a instituição. Estratégia e improvisos caminham juntos aqui. São corpos cheios, cabeças lotadas de idéia...


JUNTO E MISTURADO: UMA ETNOGRAFIA DO PCC
Autora: Karina Biondi
Editora: Terceiro Nome

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Direções...

Chegar no Parque da Juventude é fácil... Fica ao lado da Estação Carandiru do Metrô. Assim que sair do Metrô, você verá as placas indicando o Parque, e a saída dele já dá num calçadão do próprio parque... Olha o mapa:


Para quem vai de carro, o parque tem três entradas, logo, três endereços:

Entrada do Parque Esportivo Endereço:Av. Zaki Narchi, nº 1309

Entrada do Parque Central Endereço: Av. Ataliba Leonel, 500

Entrada Parque Institucional Endereço: Av. Cruzeiro do Sul, 2500

Se for pela Ponte das Bandeiras, naquela rotatória do Santos Dummond, você verá as indicações em placa para essas três avenidas...

O início da programação, as performances do grupo, estarão espalhadas por todo o parque. Mas não se preocupe... o parque não é tão grande, será fácil de encontrar tudo. Já as palestrar, a segunda parte da programação, será na área onde seria construído o Carandiru 2, num lugar chamado de ruínas... Na área B, no Parque Central, Próximo ás muralhas conservadas do Carandiru.

As Ruínas:


quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Grupo do Trecho cria a partir da prisão

Programação


.intervenções no parque.
memória e prisão

02.out no parque da juventude [antigo carandiru]


programação

14h. intervenções do grupo do trecho retomam nos espaços do parque o lugar da prisão.


15h30. [conversa pública] linhas de fuga: a mémoria, a cidade e a prisão.

convidados

adalton marques. Possui graduação em Sociologia e Política pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (2006), mestrado em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo (2010) e cursa graduação em Filosofia pela mesma instituição. Atualmente é pesquisador do Hybris (Grupo de Estudo e Pesquisa em Relações de Poder, Conflitos e Socialidades) e do NADIR (Núcleo de Antropologia do Direito), ambos núcleos de pesquisa do Departamento de Antropologia da USP. Pesquisa prisioneiros, "comandos" prisionais e sistema penitenciário.

jacqueline lima. Antropóloga em formação pela UFSCAR, pesquisa mulheres de detentos nos presídios do estado de São Paulo.

julia mello neiva. Advogada formada pela PUC-SP, especialista em direitos humanos pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e mestra (LL.M) em human rights fellow pela Law School da Columbia University-NY. É atualmente a coordenadora do Programa de Justiça da Conectas Direitos Humanos e tem atuado no combate e prevenção da tortura em unidades prisionais de adultos e jovens, combate à discriminação de gênero e de raça e promoção do acesso à justiça a grupos vulneráveis.

karina biondi. Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (2005), mestrado em Antropologia Social pela Universidade Federal de São Carlos (2009) e é doutoranda em Antropologia Social na Universidade Federal de São Carlos. Atua principalmente nos seguintes temas: PCC, prisioneiros, micropolítica, dinâmicas criminais.

luiz alberto mendes. De passagem intensa pelo sistema prisional, o escritor é autor de três livros, seu Memórias de um Sobrevivente, lançado em 2001 pela Companhia das Letras; Tesão e Prazer: Memórias Eróticas de um Prisioneiro, lançado em 2004 pela editora Geração e Às Cegas, também lançado pela editora Companhia das Letras em 2005. É também colunista da revista Trip.


18h. hip hop Ca.Ge.Be. [cada gênio do beco]
Formado na zona norte da capital de SP por Cezar Sotaque, Shirley Casa Verde e Dj Paulinho.

hip hop H2P – a confirmar
Formado por Alexandre Simões, André Simões, Leandro e Eduardo Ribeiro (www.h2p.com.br)




O que e porque desse encontro

.o que e porque desse encontro.


A idéia de uma esfera pública comum separada de uma esfera privada é utópica, irrealizável. A experiência urbana é antes fragmentada em diversas esferas públicas, coexistentes e um tanto isoladas, padecentes de entre-comunicação, enquanto juntas se alimentam.

Uma penitenciária é uma esfera pública também. Um local onde pessoas estabelecem experiências comuns. Entretanto é talvez a única dentre as esferas públicas urbanas que se apresenta de fato como isolada, sendo o isolamento sua principal característica. A penitenciária aparece como ausente do mundo exterior e o exterior como ausente do mundo da penitenciária. E, ao mesmo tempo, suas existências se remetem – como o dentro depende do fora.

Os trabalhos do Grupo do Trecho sempre se estabelecem partindo do pressuposto de que existem vários mundos em convívio – ou sem convívio – na cidade. Ou seja, não há uma linguagem a priori ou uma obra de arte fechada que o grupo desenvolva independente de algum contexto. Sua metodologia sempre parte da escolha de uma realidade específica, complexa, particular, para o estabelecimento do diálogo artístico, tanto através de um jogo de espelho quanto através do contraste – na fronteira entre a ficção e a realidade, entre o artefato e o fato. Escolher a penitenciária parte da vontade de se deparar com mais um universo “a parte”, universo esse de fato e propositalmente alienado do suposto ambiente comum de convívio.


Projeto Ausências cria a partir da prisão nasceu de uma urgência diante do choque.

Entrar, pensar, se relacionar, se sensibilizar com uma penitenciária faz cair por terra não só as noções que se carrega sobre o sistema carcerário, mas também sobre o Estado. Sobre a relação entre os homens. Sobre a idéia de bem e mal...

Então que vem a necessidade de criar reverberações da crueza e do desejo de outros possíveis para além de nossas pequenas reuniões de grupo. Então que compreendemos que não havia como exatamente criar um trabalho único, que desse conta de toda essa teia. E optamos nesse dia por um acontecimento também em teia. Em sobreposições de sentimentos, posicionamentos politicos, denúncia, espasmos, linguagem artística, linguagem antropológica…

Para tal, escolhemos o Parque da Juventude que fica rodeado de penitenciárias e órgãos públicos do sistema carcerário e que é a “ausência” da maior prisão da América Latina. Demolida após um crime de Estado – um massacre de muitas pessoas – ocorrido no mesmo dia em que faremos o evento - 2 de outubro - 18 anos atrás. Mais uma vez. Choque. Espasmo. Urgência de olhar. Afinal, não se pode questionar a existência de uma penitenciária...? Esse modelo é essencial como está posto? É essa existência urbana que se quer?

Para tal, faremos uma série de intervenções e performances, metáforas poéticas daquele espaço de confinamento e repressão. Para tal, convidamos pessoas que se depararam e têm se confrontado com a prisão, e que atravessados por ela, iluminam mecanismos de opressão e regulamentação da vida que são os mesmos das relações sociais mais cotidianas.

Queremos compartilhar com vocês esse universo que encontramos. Queremos convidá-los a propor conosco algumas questões por acreditarmos que elas podem furar o guarda-chuva de certezas que insistimos em criar e repor para continuar a vida, e abrirmos a brecha para se propor a dúvida e, principalmente, vislumbrar outros possíveis.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

projeto ausências cria a partir da prisão

um encontro. um espelhamento...

Estava a ler Manoel de Barros. E me deparo com um poema, do livro Menino do Mato, que de repente pareceu falar de nós. Nesse ano de Ausências... Para quem não é do grupo, leia como uma tradução do que está a ser adentrar a penitenciária... E para vocês, que estão junto comigo, ofereço o poema como um presente...

O abandono do lugar me abraçou de com
força.
E atingiu meu olhar para toda a vida.
Tudo que conheci depois veio carregado
de abandono.
Não havia no lugar nenhum caminho de
fugir.
A gente se inventava de caminhos com
as novas palavras.
A gente era como um pedaço de
formiga no chão.
Por isso o nosso gosto era só de
desver o mundo.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

2º Mapeamento

Fomos ao Centro. À procura do centro da questão Penitenciária.

É... ainda procuramos, já sabendo que não existe um centro: já sabidos os vários.

Procuramos um lugar que fosse um fulcro nessa cidade-hidra de milicabeças. Já tão sulcada: à bala, facada e porrada, à esbarro, empurrão e impacto.

Era pra ser ali no Vale do Anhangabaú, mas o chão nos disse: - Não! E antes dessa negativa, ainda perdemos o espaço primeiramente desejado para os corpos plásticos (no sentido industrial do termo) e pintados de cowboys, índias e o melhor do folk-lore nacional.

E defronte ao Correio Central, como que inconscientemente negando sua utilidade, escrevemos para aqueles que porventura nos procurassem, um grande bilhete sobre as pedras tortas, devoradoras ávidas de giz.

“Estamos no Páteo do Colégio. Ass: Grupo do Trecho”

Desta feita nos acompanhava Flávio, um cineasta chegado a temas políticos, sociais e contra-culturais. Tínhamos a primeira experiência, dentro deste projeto, de uma interação com a linguagem audiovisual. E a possibilidade da transformação desta ação performática num pequenino curta ou numa vídeo-arte, era instigante a nós.

Brancaleonicamente, nas costas mochilas, equipamentos e etecéteras, chegamos ao segundo lugar que não nos serviu. Acho que é um dos lugares públicos mais assépticos do centro velho de São Paulo. Até constrangia escrever no chão o novo bilhete. Outro lugar daqueles com mais pombos que pessoas. Se houvesse um lixo por perto, alguém chutaria.

“Estamos em frente ao Mosteiro São Bento. Ass: Grupo do Trecho”

E voltamos pro lugar que no caminho da mudança havíamos passado e já bem pressentido: espaço amplo, chão de desenhar, fluxo humano numeroso e constante.

Eis o solo: o suporte concreto para um mapa-reflexão da Penitenciária Feminina do Butantã, Rodovia Raposo Tavares, Km 19,5.

Eis o sol: rachando o coco enquanto se montavam equipamentos e figurinos eram vestidos.

O fulcro do mapa este nós sabemos: escreve-se assim:


MULHER PRESA


Dessas duas palavras emanam as certezas sociológicas, as indagações filosóficas, as impressões artísticas e as considerações (in)humanitárias do senso comum.

Emanam em forma de linhas riscadas no chão, brancas, verdes, rosas e azuis. Pontos profanos riscados na encruzilhada redonda do Largo São Bento.

Mesmo havendo a livre circulação de “coxinhas”, a fome de indignação do Francisco, menino de velho rosto, não diminuía, só aumentava. E também por isso ele tanto escrevia, somando esse sentimento à revolta contra um governador, um prefeito e um possível novo retorno do Alckmin, figuras que dificultaram a vida do povo de rua.

E se “coxinhas” em trânsito já trazem em seu recheio a paranóia do medo, quanto mais medo paranóico não existirá naqueles que cuidam das entranhas duras e obstruídas de um presídio, seja de fachada cinza ou rosa-violeta...?

Desta vez, o nossa mapa-reflexão desaparecia rapidamente sobre os pés da paulistânia, e as presenças ausentes das mulheres que nos movem os atos de agora, menos se inscreviam na pele crostosa da cidade.


quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Experiências dentro do Presidio Feminino, para fora

migos!
Nessa sexta feira o Grupo do Trecho vai realizar uma interferência no Vale do Anhangabaú, próximo aos correios, para compartilhar parte de seu processo de residência artística no Presídio Feminino do butantã.
Nossa ação terá início as 14:00 e terminará por volta das 16:00.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Facas confiscadas. Mulheres desarmadas.
Sabem o que fazer. Devem esfregar, apenas, o chão.
O chão da Paulista, o chão em frente a banco, qualquer chão.

É preciso limpar.

"Desculpa, senhor." "Desculpa, senhor".
Esfregam e se desculpam.
Incessantemente.

É preciso limpar, mesmo que o trabalho não tenha fim.
É preciso trabalhar, mesmo que não haja mais trabalho.

É preciso limpar-se.

É preciso redmir-se.

"Desculpa, senhores."

Até que finalmente lhe anunciem o momento de parar.

Breve intervalo, antes da hora de ter que recomeçar.

"Me dá um cigarro, por favor?"



quinta-feira, 15 de julho de 2010

Valsantes

Cinco mulheres. Uma tocava, outras dançavam. Dançavam a memória, dançavam o feminino. Dançavam a possibilidade da vida entre o concreto dos prédios da Paulista, a possibilidade de abrir os braços e entrever o céu. Dançavam...

E como não?
E por que não dizer
Que o mundo respirava mais
Se ela apertava assim
Seu colo como
Se não fosse um tempo
Em que já fosse impróprio
Se dançar assim

Ela valsando
Só na madrugada
Se julgando amada...

Valsando como valsa
Uma criança
Que entra na roda
A noite tá no fim

Ela teimou
E enfrentou o mundo
Se rodopiando ao som
Dos Bandolins

Sem temer o julgamento dos olhares, e uma vez sem esconder o que a singeleza guarda, caminharam, explicitas, pela cidade.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Mapa da Prisão

A necessidade de exteriorizar o que se respira do lado de dentro dos muros. A urgência de vazar...
O que tem significado para cada um de nós entrar (e sair!) todas as semanas na “Penitenciária Feminina do Butantã”? Respostas pessoais encontram eco no no coletivo e são impulso para a ação. Três diferentes olhares geraram as intervenções realizadas na Av. Paulista no último feriado.



qual é a função de um presídio?...


Um mapa é instrumento que demonstra, revela, explicita geografias, funcionamentos, relações e tensões. Como transitar no presídio, esse lugar opaco que a todo tempo nos escapa? Nosso acesso é restrito a uma mínima parte de sua espacialidade, e consequentemente a uma mínima parte das pessoas que têm vivido ali os seus dias. Não nos é dado conhecer todas as regras, pois há aquelas que "não estão escritas em nenhum lugar". Temos autorização de entrar e propor algo, mas as limitações instituicionais estão por toda parte. Que papel representamos ali dentro e quais novos caminhos poderemos traçar?

Mapear para compreender...

Então eis a ação simples proposta ao Grupo do Trecho e aos passantes: desenhar um mapa do presídio, considerando as relações que envolvem e compõem essa realidade, superando a mera geografia, mas sem desconsiderar a questão espacial. E esse mapa será desenhado com giz, na calçada da Av. Paulista, em frente ao parque Trianon.


Sabemos onde começa nosso caminho para dentro dessa instituição, sabemos de nossa busca. Mulher e presa... As duas coisas simultâneamente.

Mas e depois disso? O que sabemos das relações que orientam esse universo, aparentemente tão ausente da realidade "normal" das ruas da cidade?


Sabemos que há um dentro e um fora bem definidos e que há aqueles que atravessam a linha, indo ou vindo, e há os que não fazem isso de maneira alguma, os que se adequam e buscam estar seguros. Mas o que transforma alguém em "inadequado" ao convívio social?... E de que maneira é possível readequar alguém? Ou "ressocializar"...


Quais são os resultados dessa lógica da punição de estrutura punitiva? Pra quê ela serve? Quem lucra? O que acontece a um ser humano em situação de prisão? Como ele se sente o que pensa dia após dia? Como ele é tratado... E o quanto o universo prisional interfere na vida social comum e é interferido por ela?


Quantos entre os que caminham pela Av. Paulista às 15h de uma sexta-feira de feriado conhecem bem o funcionamento um presídio por dentro? Quantos podem ser ex-detentos? Quanto se importam com o assunto? E quantos mal tinham parado pra pensar sobre isso alguma vez na vida? Quantos parariam o que têm a fazer para refletir sobre isso? As respostas nem sempre são óbvias.

Fazendo perguntas, compilando as informações que possuimos, podemos mapear essas relações e traçar estratégias. O mapa "é aberto, é conectável em todas as dimensões, desmontável, reversível, suscetível de receber modificações constantemente". Ele foi feito a giz... Ele se amplia. Se complexifica. Um primeiro esboço toma forma e um caminho se aponta. Há que se discutir a questão.

O mapa da prisão mapeia também e muito bem as relações sociais que escolhemos vivenciar ou não na cidade.