quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Sobre Na Prisão...

Na Prisão de Kazuichi Hanawa

Por Carolina Nóbrega

Já totalmente inundada e atenta a tudo que pudesse iluminar minimamente acerca do isolamento penal, deparo-me por acaso com um livro de título sugestivo, por acaso (ou para mim) em destaque na prateleira de uma livraria. Abro. Surpresa. Trata-se de um mangá. Na hora o carrego comigo para casa. A contra capa já me desarma. Trata-se de um relato autobiográfico em desenho.

Kazuizhi Hanawa foi preso em 1994 por porte ilegal de armas, quando foi surpreendido atirando sem propósito no alto de montanhas. Foi condenado a 3 anos de prisão.

Certamente, o encontro com esse mangá desconstruiu muito do que eu já houvesse imaginado e concebido acerca de uma penitenciária. Seus relatos são absolutamente realistas e cotidianos, desenha detalhadamente os espaços da cadeia, com uma precisão quase fria. É um livro cru, amoral, que se distancia da idéia de denúncia política, bem como de qualquer sentimento de injustiça pessoal. Ele fala da banalidade, da passagem tediosa, repetitiva do tempo. Agora, depois de alguns bons meses frequentando de fato um presídio me é nítido na pele o quanto habita, dentro dos corpos, sensações e emoções das pessoas submetidas a um regime carcerário, essa banalidade, esse tédio, essa inércia emocional.

Sim, isso também é visível na realidade liberta, ou, mais propriamente, na realidade fora da cadeia. Estamos sujeitos ao mecanicismo diante de qualquer sistema (até e talvez principalmente ao que nós mesmos nos impomos), mas, alerto, não é a mesma coisa. No presídio há algo que vai se incrustando nas pessoas, como quase uma impossibilidade de alimentar qualquer tipo de fogo ou anseio político. Ele aparece, por certo, mas rapidamente se desarma ou não consegue muito avançar além das necessidades puramente cotidianas. Há mesmo um imobilismo doloroso, uma falta de energia latente. Um espaço que suga o espírito. Isso acontece com os presos e MUITO também com os funcionários (neles, nos funcionários, talvez até apareça com mais nitidez, intensidade, ou loucura, para mais sobre o assunto, vide Kafka...).

A idéia da prisão de dentro e da prisão de fora também aparece sutilmente no mangá... Aparece de repente, quando o leitor se atenta a algum comentário do protagonista, como o de que era muito libertador não precisar mais pensar em pagar os impostos...

Na prisão me impactou ainda pela forma como ele alterna um realismo extremo (principalmente em relação ao desenho dos espaços) com um exagero próprio ao mangá (como no momento em que contam do homem que foi pra solitária por jogar palavras cruzadas de forma extremamente banal, mas o desenho do homem na solitária é quase expressionista), ou até por alguns desenhos mais fantásticos, insanos (como no momento em que o autor conta que foi transportado algemado por uma corda via transporte público até o presídio... nesse momento, ele se retrata como um cachorro...).

A idéia de que o homem se torna institucionalizado é muito bem retratada... principalmente em três capítulos. Num deles, ele fala sobre como o presidiário sente a passagem do tempo, através de um homem que sente o dia passar pelas refeições, e que, ao final de tudo pensa algo como, “O tempo passa depressa aqui. Só faltam seis anos”. Noutro, mostra o pânico de um homem que está para ser liberto e não sabe se dará conta das pressões do mundo exterior. E em outro em que o protagonista – diante do fato que lá dentro, em sua jornada de trabalho, tem que pedir “por favor” para tudo –, se imagina liberto, gritando “por favooor” ao garçom num restaurante.

Chegando ao final do livro, que para nós, ocidentais, seria o seu começo (para quem não sabe, um mangá se lê de trás para frente), percebo que a introdução estava lá... no fim. Eu ainda não a havia lido. Essa introdução, escrita por Tomohide Kure um crítico de mangá, que conhece pessoalmente o autor, Kazuichi Hanawa, foi o meu último e talvez mais intenso choque, diante do qual entrei numa reflexão profunda e repensei o meu trabalho dentro da penitenciária. Nessa introdução, em dado momento, ele diz que já teve uma série de amigos presos, que ele aos poucos descobriu aos poucos a melhor forma de escrever cartas para eles – que, inclusive, todos seus amigos quando libertos diziam a ele serem as melhores cartas que recebiam. Suas cartas se atentavam a descrever as coisas mais cotidianas e banais – lembrei-me nesse ponto, de um momento do HQ em que o protagonista e seus colegas de cela, mudam rapidamente de canal quando começa o jornal, para ver um programa tosco. Afinal, o que eles poderiam fazer diante de qualquer informação acerca do mundo exterior?

Tomohide Kure em sua introdução, conclui esse momento dizendo que o único jeito de sobreviver ao sistema carcerário sem enlouquecer é banalizando-o, é compreender a vida da maneira mais direta e simplória... comer, trabalhar, dormir... sem isso viver ali se tornaria totalmente insuportável.

Não sei até que ponto consigo simplesmente acatar esse fato. Mas certamente em muitos momentos, isso é totalmente perceptível e palpável dentro da cadeia...

Enfim... Decido por não concluir nada a ver se divido contigo, que leu esse texto, minha crise inconclusa.

criar sobre a prisão nas paredes derruídas que nunca foram nada...



Foi um dia caótico e corrido... cheio dos caminhos, dos sustos e das contraposições. Não conseguirei escrever aqui de forma mais clara e descritiva, portanto. Me esforço para realizar esse registro, entretanto, porque acho necessário, porque me grita... estou já a quase um mês tentando iniciar esse relato. Devo escrever novamente, com outras coisas que provavelmente esquecerei de escrever e lembrarei depois. Por hora, deixo então que meus dedos simplesmente escorram pelo teclado.



... Chovia na manhã do dia 2 de outubro de 2010... o que assustou pouco as pessoas do parque. Ele estava um pouco vazio de sua vida de final de semana... o público foi principalmente os nossos convidados. E nós, submersos por esse processo confuso e desconstrutor, buscamos as primeiras possíveis braçadas de um debate público e poético, de uma reescritura do que é a vida urbana, a partir do olhar sobre o aqueles que se escolheu excluir pelo estado. Um encontro entre universos e entre linguagens...



De um monte de idéias e sensações divergentes entre cada um do grupo (divergentes mesmo dentro de nós mesmos), optamos por pouca coerência, pegamos tudo que se apontava e espalhamos no parque da juventude, a ver o que aconteceria nesse encontro, o que aconteceria no compartilhar público de nossas descobertas ao longo de seis meses de Penitenciária Feminina do Butantã.
Uma mulher-placa egressa, que trabalha em qualquer condição.
Cartazes caóticamente colados e espalhados, com todos os tipos de dizeres.
111 corações de galinha para 111 presos.
Uma mulher que obedece a uma gravação e se aprisiona em um quadrado no chão.
Um debate no meio das ruínas de um não-lugar (uma construção de um anexo do Carandiru que nunca chegou a ser terminado)...
vozes de um poeta que foi preso por 30 anos...
vozes em defesa dos corpos cheios...
vozes que falavam do excesso de estado...
vozes que emitiam terríveis estatísticas do sistema penitenciário...
vozes niilistas...
vozes que vêem portas...
vozes que acreditam no poder do indivíduo...
vozes que acreditam no poder do confronto claro...
vozes que explicitam questões de classe e exclusão...
não-vozes dos que se calam.
. e as belíssimas vozes ritmadas que emitiam poesia em sentido explícito, com toda a viceralidade da vida em seu sentido de urgência, do pessoal do CaGeBe...



Muitos equívocos, muitas arestas, muitas sensações de outras possíveis ações e outros possíveis rumos... se atentando para a extratificação da experiência urbana em espaços isolados, que estamos realmente acostumados a viver e reiteramos... Explodem perguntas que pedem novos testes de possíveis encontros públicos: Como transformar em acontecimento público as discussões herméticas? Como misturar poesia e análise? Como a música invadir os espaços das falas, como a performance emergir explicitando o sensível por detrás dos dados numéricos? Como realmente dialogar as diferentes formas de falar?...

Ao fim do dia, sobretudo, ficou a sensação de caminho que se abre como picada no mato. Um evento criado no susto da urgência, que explicita possíveis... e a potência e necessidade de explosão das visões sobre a cidade... afim de quebrar a mítica sobre os espaços e deixar brechas para o nascimento do novo... e para o embate potente da exposição comum dos olhares de muitos...

Obrigada a todos que estiveram conosco aquele dia! Que outros encontros venham, aprofundem embates e criem rachaduras...


domingo, 3 de outubro de 2010


Junto e misturado: uma etnografia do PCC
Karina Biondi

por mafê







De repente a prisão se achegou à vida assim sem dar de quando. Quando viu era mais que mulher, era mulher de preso. Acho que foi para engolir os dias que passou a pensar aquilo como lugar de potência de aprendizado. E assim foi.

Visita após visita foi conhecendo o sistema e nele seu PCC. Seis anos. Teve de apreender seus códigos fluidos, sua moldura movente. Mulher, mulher de preso, mulher de preso em cadeia de PCC. Passou a compartilhar, graças ao seu marido, das conversas com os irmãos ali em caminhada.

Foi assentando em seu olho de antropóloga o que significa o lema paz, justiça, liberdade... e igualdade.

Onde se teria mais Estado do que num presídio?

No andar do tempo, ela vê um PCC sem hierarquia definida em comando centralizado, percebe que aquilo tudo é outra coisa, “crime organizado” não dava conta do acontecimento do 15. Sem terrotório nem comando fixado, perene, tem é um “proceder” transcendido em orientações coletivas. É mais ou menos assim: há uma transcendência PCC, uma aura comportamental que concede diretrizes a uma série de atores locais e contingentes que decidem e se responsabilizam por cada decisão tomada. O irmão tem de ser capaz de sustentar e defender seu ato frente o coletivo e esse ato deve estar de acordo com esse código superior, transcendente, ideal, em que todos se apóiam para dali criar seu cotidiano. Esse “proceder” [e sobre isso, ler o Adalton Marques] significou uma viragem forte para a operabilidade do sistema prisional: entre as pessoas presas, acaba-se com as relações de violência e poder baseadas na força individual. Fim dos estupros, fim dos aluguéis de xis e de tantas outras posturas onde presos fisicamente fortes violentam presos fisicamente fracos. Pra geral aparece a figura do coisa, e também a sua exclusão do convívio (muitas vezes mortal). Entre aqueles que partilham a caminhada, deve-se agir pelo certo. O foco da ação, mais do que nunca coletiva, é quebrar a cadeia.

E na relação entre presos e instituição, outra viragem: uma série de irmãos articulados constituem-se como negociadores frente a instituição. A violência institucional enfrenta agora oponente forte, violento como ela, impassível aos seus desmandos. O PCC passa a combinar estabilidade, já que é grupo real (alguém tem dúvida?) generalizado e forte nas prisões; e instabilidade, pela fluidez das suas articulações de poder e de seu espaço de influência.

Para pensar essa instabilidade, Karina vai buscar Deleuze e Guatarri. Encontra neles a potência da ideia de rizoma, uma grama feita de poder: não há um ponto central, um caule que se cortado a estanque. A grama cresce sem ponto convergente. O PCC não é controlado por Marcola ou qualquer outro. É contingência dos atores que o realizam e recriam, pautados em ideias, que as ações também sustentam e atualizam. O jogo de responsabilizações coletivas traz o peso que têm qualidades de fala, de posicionamento público. Cada irmão deve ser capaz de discutir suas posturas frente a população e de representa-lo frente a instituição. Estratégia e improvisos caminham juntos aqui. São corpos cheios, cabeças lotadas de idéia...


JUNTO E MISTURADO: UMA ETNOGRAFIA DO PCC
Autora: Karina Biondi
Editora: Terceiro Nome

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Direções...

Chegar no Parque da Juventude é fácil... Fica ao lado da Estação Carandiru do Metrô. Assim que sair do Metrô, você verá as placas indicando o Parque, e a saída dele já dá num calçadão do próprio parque... Olha o mapa:


Para quem vai de carro, o parque tem três entradas, logo, três endereços:

Entrada do Parque Esportivo Endereço:Av. Zaki Narchi, nº 1309

Entrada do Parque Central Endereço: Av. Ataliba Leonel, 500

Entrada Parque Institucional Endereço: Av. Cruzeiro do Sul, 2500

Se for pela Ponte das Bandeiras, naquela rotatória do Santos Dummond, você verá as indicações em placa para essas três avenidas...

O início da programação, as performances do grupo, estarão espalhadas por todo o parque. Mas não se preocupe... o parque não é tão grande, será fácil de encontrar tudo. Já as palestrar, a segunda parte da programação, será na área onde seria construído o Carandiru 2, num lugar chamado de ruínas... Na área B, no Parque Central, Próximo ás muralhas conservadas do Carandiru.

As Ruínas: