quinta-feira, 9 de abril de 2009

Sobre o silêncio de Andrômeda

Não mover-me mecanicamente junto ao mundo, interromper a máquina.

Eu queria propor silêncio ao mundo. A possibilidade de estar, simplesmente. O silêncio de uma pequena flor, que fica ali, parada, oferecendo a beleza que possui, e morre. Silêncio que permite ouvir alguma coisa nova. Mas em um mundo de almas endurecidas pelo concreto qualquer tentativa de silêncio se desfaz, necessariamente em lágrimas. Diamantinha chora e eu choro, porque essa é quase a única possibilidade de sensibilidade perante o real. O coração esfiapadinho. Há muito pelo que chorar, tudo fere e tudo é digno de lágrimas. O entorno é decadente e feio e agressivo. É tão verdadeira e forte a violência da cidade, dos carros, do concreto, da igreja, dos passantes. O mundo, da forma como o construimos até aqui é triste e sem perspectivas. É doloroso ver as pobres pessoas, minúsculas, tentando ainda existir em meio disso, se endurecendo para não de desfazerem, se tornando suas próprias cascas e nada além disso. Me parece impossível presevar a beleza, a potência e saúde de uma alma humana nessas condições. Me parece que não há praticamente o que ser feito a não ser parar. Voltar a um silêncio meditativo de antes do nascer do mundo. Mas parar não é possível o em meio à essa compulsão de tudo. O silêncio é proibido. Será sempre engolido pelo barulho. O que estiver parado será carregado pela corrente. E então um grito e lágrimas são os últimos refúgios possíveis. E são muito pouco.

Talvez se todos endendessem que, da forma como estão as coisas, ninguém tem absolutamente nada a perder, que nenhuma dessas vidas vazias vale tão a pena assim para que se tenha que resguardar alguma coisa, para que se tenha que se proteger. Talvez se alguém, pelo menos, percebesse isso, essa pessoa se abrisse. E tivesse o cuidado de carregar sua alma exposta através do mundo. Como a pequena chama de uma vela que pode se apagar a qualquer momento, ou como uma bacia com água prestes a transbordar. E se ela fizesse isso e fizesse de fato, e suportasse não enlouquecer, provavelmente ela seria massacrada pelo movimento irracional da grande massa do mundo. A não ser que alguma outra pessoa fosse corajosa o suficiente para se comover e ousasse não ferir a primeira. Isso, para mim, seria um começo.

Não consigo enxergar uma forma contundente de dizer isso às pessoas, a ponto de fazê-las tentar seguir tal caminho. Não há o que mostrar ao mundo que possa ser compreendido, porque ninguém quer ver. As pessoas realmente acreditam que as coisas são como são. Elas não sabem que são elas próprias que fazer as coisas serem como são. Então, o que me resta é tentar, eu mesma, seguir o caminho. Quero entregar-me tão profundamente a ponto não ter mais certeza do “eu”. Porque o “eu” é formado, em muito, pelas suas proprias cascas e pela repetição dos padrões. O que mais quero é o que me é mais difícil. Tenho medo de falhar e tenho medo de conseguir, pois não faço idéia de o que significaria o fato de perder-me a mim. Embora me seja cada vez mais certo que é praticamente a única maneira possível de haver alguma transformação. Quero não reagir. Quero entregar-me para que alguém, tendo em mãos o poder real de me destruir, diante da minha não tentativa de atacá-lo, ouse também não me atacar. Mas para isso tenho que realmente correr o risco de ser destruída.

Não quero entregar-me a esse mundo, não sou suicida. Mas esse mundo é tudo e só o que há. Tenho que encontrar dentro dele as pessoas certas. Diante dos que escolhi para me cercar, é isso que busco, a possibilidade de entregar-me em suas mãos. O pedido é que, em vez de me destruir, me construam. Me permitam constitiuir-me do melhor em vocês.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Trecho em Obras

fotos: Verônica Fabrini


2009. Primeiro segundo trabalho... fato, agora que nos reconheceremos em pesquisa e proposta... filhos do sapato sujo e dos albergues, porém em movimento. Trecho novo de estrada. Afinal, a escolha por habitar o trecho inviabiliza estacionamentos.
Agora a escolha por um espaço em teoria mais móvel, afinal, um espaço público e não uma instituição. A princípio soou-nos mais fácil, mas diante dele, do Largo de Santa Cecília, em muito reverberou-nos o desamparo... Pois que a cidade em toda a sua arquitetura impositiva, em seus ritmos decisivos e direções apontadas não parece oferecer-se ao jogo e nós temos que lidar com a condição patética de corpos frágeis em busca de poesia para além da lógica...

Afinal aquele espaço... aquele Largo... Uma igreja gigante, senhora em magestade, oferecendo sombra aos corpos não objetivados (aqueles que sem querer ou poder seguir rumos, se oferecem ás calçadas)... impondo-se em altura e grades, em pedidos de silêncio e respeito, oferecendo um outro tempo ao espaço, a igreja... que por horas parece belo e dilatado e por horas parece tedioso e morto... O Metrô logo adiante, manada de gentes em no fluxo digestivo do grande intestino metálico de São Paulo, intestino que direciona os rumos... Mais adiante o terminal de ônibus... entrada nas grandes e imensas lêsmas urbânas, espaço que antecede a trava-trânsito, o percurso que sempre se quer anular o mais rápido possível - o caminho se torna insuportável e enrigecido aos acontecimentos, espera-se sempre o ponto final a se chegar... Ainda mais adiante, enfim, o minhocão, real cartão postal de São Paulo, imensa placa de concreto que viabiliza o andar das máquinas e inviabiliza a vida humana (os moradores dos prédios ao redor nunca abrem ou saem das janelas por causa do barulho e da sujeira que os carros fabricam em sua casa...



Percebemos que não se trata exatamente e apenas de rasgar o cotidiano do mundo exterior. Mas do mundo interior. De nós mesmos. Choque. Choque diante de nós... hiperbolizados em nosso tamanho a princípio pequeno, nos tornamos gigantes em angústias e em necessidades trágicas porque pulsantes, trágicas porque latentes, trágicas por que "indisviáveis" e "inabandonáveis". A presença de nós mesmos. A plenitude de olhar o limite como um convite a nós mesmos de provar-nos enquanto guerreiros de nós mesmos... e não mais permitir a lamentação e a visão do mundo exterior como mal e como algo que nos impossibilita - quebra quebra nos padrões de ressentimento - mas, sim, a visão de um mundo exterior como algo que nos alimenta e nos impele à uma força de presença cada vez maior. Estar no movimento e não na morada. Estar no acontecimento e não no acontecido... Trecho. Trecho. Trecho.
Não é simples ou fácil. Porque é difícil não estacionar... a estrada não tem conforto. E a potência do movimento apavora... Porque exige tabém o não reconhecimento do mundo exterior. E exige andar com a sombra exposta ao lado.
E nós jovens, começando rumos, corremos o risco de quebrar nossa escolha de jogar junto do tanto que se escancararam as intimidades... pequenas necessidades de um e de outro...a impossibilidade de sermos os mesmos... Crise.

Afinal... "Contos de Lua no Chão", foi assim que nomeamos o projeto... em busca de um regime lunar no lugar de um regime solar. Como poderíamos esperar facilidade? Pois que a opção por uma luz nublada, no qual não se pode definir os fatos e verdades absolutas, exige um novo corpo, uma nova sensibilidade, um renascimento, um olhar do mundo com uma visão uterina...
E agora, nos reencontrando em nossas diferenças e querendo afirmar e alimentar as nossas diferênças, um agindo para fomentar a potência do outro, começamos de fato a nascer esse grupo, entendendo como irmanar-mos também no desafio e na bela impossibilidade de sermos iguais... pois o que nos une, afinal, é o desejo de rasgarmos a nós mesmos e de encontrar-nos diante de um novo solo... um solo possível, pois esse outro novo corpo, já encontrará no mundo uma nova reverberação... crepuscular.
Abrindo espaço para o fluxo e saída das gentes que desegem aproximar-se ou afastar-se dessa exposição de nós, não apenas ao mundo exterior, mas a nós mesmos.
A crise afinal, parceira e amante, não inimiga, nos arremessa à um intenso mundo de escuta, intensidade e afeto... o não se convertendo em um grande sim e a lua despontando no céu permitindo-nos ver o cada passo... sem que se possa, sem que se necessite ver para onde nos levará esse caminhar.