quarta-feira, 27 de outubro de 2010

criar sobre a prisão nas paredes derruídas que nunca foram nada...



Foi um dia caótico e corrido... cheio dos caminhos, dos sustos e das contraposições. Não conseguirei escrever aqui de forma mais clara e descritiva, portanto. Me esforço para realizar esse registro, entretanto, porque acho necessário, porque me grita... estou já a quase um mês tentando iniciar esse relato. Devo escrever novamente, com outras coisas que provavelmente esquecerei de escrever e lembrarei depois. Por hora, deixo então que meus dedos simplesmente escorram pelo teclado.



... Chovia na manhã do dia 2 de outubro de 2010... o que assustou pouco as pessoas do parque. Ele estava um pouco vazio de sua vida de final de semana... o público foi principalmente os nossos convidados. E nós, submersos por esse processo confuso e desconstrutor, buscamos as primeiras possíveis braçadas de um debate público e poético, de uma reescritura do que é a vida urbana, a partir do olhar sobre o aqueles que se escolheu excluir pelo estado. Um encontro entre universos e entre linguagens...



De um monte de idéias e sensações divergentes entre cada um do grupo (divergentes mesmo dentro de nós mesmos), optamos por pouca coerência, pegamos tudo que se apontava e espalhamos no parque da juventude, a ver o que aconteceria nesse encontro, o que aconteceria no compartilhar público de nossas descobertas ao longo de seis meses de Penitenciária Feminina do Butantã.
Uma mulher-placa egressa, que trabalha em qualquer condição.
Cartazes caóticamente colados e espalhados, com todos os tipos de dizeres.
111 corações de galinha para 111 presos.
Uma mulher que obedece a uma gravação e se aprisiona em um quadrado no chão.
Um debate no meio das ruínas de um não-lugar (uma construção de um anexo do Carandiru que nunca chegou a ser terminado)...
vozes de um poeta que foi preso por 30 anos...
vozes em defesa dos corpos cheios...
vozes que falavam do excesso de estado...
vozes que emitiam terríveis estatísticas do sistema penitenciário...
vozes niilistas...
vozes que vêem portas...
vozes que acreditam no poder do indivíduo...
vozes que acreditam no poder do confronto claro...
vozes que explicitam questões de classe e exclusão...
não-vozes dos que se calam.
. e as belíssimas vozes ritmadas que emitiam poesia em sentido explícito, com toda a viceralidade da vida em seu sentido de urgência, do pessoal do CaGeBe...



Muitos equívocos, muitas arestas, muitas sensações de outras possíveis ações e outros possíveis rumos... se atentando para a extratificação da experiência urbana em espaços isolados, que estamos realmente acostumados a viver e reiteramos... Explodem perguntas que pedem novos testes de possíveis encontros públicos: Como transformar em acontecimento público as discussões herméticas? Como misturar poesia e análise? Como a música invadir os espaços das falas, como a performance emergir explicitando o sensível por detrás dos dados numéricos? Como realmente dialogar as diferentes formas de falar?...

Ao fim do dia, sobretudo, ficou a sensação de caminho que se abre como picada no mato. Um evento criado no susto da urgência, que explicita possíveis... e a potência e necessidade de explosão das visões sobre a cidade... afim de quebrar a mítica sobre os espaços e deixar brechas para o nascimento do novo... e para o embate potente da exposição comum dos olhares de muitos...

Obrigada a todos que estiveram conosco aquele dia! Que outros encontros venham, aprofundem embates e criem rachaduras...


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