quinta-feira, 23 de setembro de 2010

O que e porque desse encontro

.o que e porque desse encontro.


A idéia de uma esfera pública comum separada de uma esfera privada é utópica, irrealizável. A experiência urbana é antes fragmentada em diversas esferas públicas, coexistentes e um tanto isoladas, padecentes de entre-comunicação, enquanto juntas se alimentam.

Uma penitenciária é uma esfera pública também. Um local onde pessoas estabelecem experiências comuns. Entretanto é talvez a única dentre as esferas públicas urbanas que se apresenta de fato como isolada, sendo o isolamento sua principal característica. A penitenciária aparece como ausente do mundo exterior e o exterior como ausente do mundo da penitenciária. E, ao mesmo tempo, suas existências se remetem – como o dentro depende do fora.

Os trabalhos do Grupo do Trecho sempre se estabelecem partindo do pressuposto de que existem vários mundos em convívio – ou sem convívio – na cidade. Ou seja, não há uma linguagem a priori ou uma obra de arte fechada que o grupo desenvolva independente de algum contexto. Sua metodologia sempre parte da escolha de uma realidade específica, complexa, particular, para o estabelecimento do diálogo artístico, tanto através de um jogo de espelho quanto através do contraste – na fronteira entre a ficção e a realidade, entre o artefato e o fato. Escolher a penitenciária parte da vontade de se deparar com mais um universo “a parte”, universo esse de fato e propositalmente alienado do suposto ambiente comum de convívio.


Projeto Ausências cria a partir da prisão nasceu de uma urgência diante do choque.

Entrar, pensar, se relacionar, se sensibilizar com uma penitenciária faz cair por terra não só as noções que se carrega sobre o sistema carcerário, mas também sobre o Estado. Sobre a relação entre os homens. Sobre a idéia de bem e mal...

Então que vem a necessidade de criar reverberações da crueza e do desejo de outros possíveis para além de nossas pequenas reuniões de grupo. Então que compreendemos que não havia como exatamente criar um trabalho único, que desse conta de toda essa teia. E optamos nesse dia por um acontecimento também em teia. Em sobreposições de sentimentos, posicionamentos politicos, denúncia, espasmos, linguagem artística, linguagem antropológica…

Para tal, escolhemos o Parque da Juventude que fica rodeado de penitenciárias e órgãos públicos do sistema carcerário e que é a “ausência” da maior prisão da América Latina. Demolida após um crime de Estado – um massacre de muitas pessoas – ocorrido no mesmo dia em que faremos o evento - 2 de outubro - 18 anos atrás. Mais uma vez. Choque. Espasmo. Urgência de olhar. Afinal, não se pode questionar a existência de uma penitenciária...? Esse modelo é essencial como está posto? É essa existência urbana que se quer?

Para tal, faremos uma série de intervenções e performances, metáforas poéticas daquele espaço de confinamento e repressão. Para tal, convidamos pessoas que se depararam e têm se confrontado com a prisão, e que atravessados por ela, iluminam mecanismos de opressão e regulamentação da vida que são os mesmos das relações sociais mais cotidianas.

Queremos compartilhar com vocês esse universo que encontramos. Queremos convidá-los a propor conosco algumas questões por acreditarmos que elas podem furar o guarda-chuva de certezas que insistimos em criar e repor para continuar a vida, e abrirmos a brecha para se propor a dúvida e, principalmente, vislumbrar outros possíveis.

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