segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Luas no Chão de Araras

Seria Santos. Entretanto... diante da prioridade das aparições de Papai Noel e seus familiares na cidade, nossas luas são rejeitadas diante de um sonoro, inequívoco e repentino... NÃO. E eis que diante de nosso desespero - afinal, não se trata apenas de migrar as luas para enluarar diferentes solos, pois que estamos envolvidos com um projeto público que nos exige o apresentar também por burocracia... - diante de nosso desespero, uma pessoa querida nos consegue abrir as portas de Araras... Araras... que a princípio não estava nos planos e sobre a qual não evidentemente planejávamos nada.



Primeira surpresa, o que nos contam, que na praça onde apresentaremos, a noite, costumam estar por volta de duas mil pessoas. Duas mil pessoas! E quando lá chegamos e começamos a pensar a peça e aprontar os mundos fantásticos, reparamos o fato, sim, a praça parece viva, a mais viva talvez que já habitamos, viva porque aninha vidas que a buscam em torno de vida...

O espetáculo seria o último do ano... um misto de alívio e saudosismo, pela exaustão e também pelo fim. Por ser o último, aquele espaço nos desperta pequenas coisas e decidimos um roteiro que ao mesmo tempo é novo e é o que mais se parece com o roteiro que fazíamos em Santa Cecília. Diamantinha começaria atirando-se na imensa fonte central e a casa do passarinheiro seria enfim uma árvore, enorme e belíssima... Imagens das mais potentes que já encontramos em relação as nossas histórias...



A peça como sempre, começa daquele seu jeito, como que escorregado do real... imprópria para a realidade e imprópria para a convenção teatral... num meio de caminho confuso, que provoca reações diversas e confusas, que despertam intimidades e exterioridades também confusas e por confusas, expostas, porque não se poda o que não se reconhece com clareza. E é isso que sempre intencionamos, essa tensão de vida, em que a ficção também é vivida por aquele que não ainda detém clareza de que participa de uma ficção.



Mas também o que sempre aconteceu foi, por estarmos num espaço de trânsito, foi que aqueles que nos acompanhavam e que se aninhavam perto da ficção, eram ou pessoas que sabiam que ali ocorreria o advento de um fantástico, ou pessoas de uma sensibilidade especial, em muito delicada, em muito intensa, e por isso se permitiam interromper o caminho e fazer do meio do caminho casa por uma hora conosco... Estavamos acostumados a contar como público com seres muito abertos ao atravessamento, o que sempre foi belo, o que sempre possibilitou encontros bonitos.



Dessa vez, Araras nos mostrou outra possibilidade, outra face de sim, seres mais brutos... Mais duros... Mais resistentes... Mais conservadores. Sim, ainda haviam as pessoas disponíveis abertas, tocantes, mas estavam elas também, elas mesmas sufocadas por entre uma quantidade enorme de homens pisoteadores... uns dez olhares de afeto por entre trezentos olhares de julgamento e escárnio.



Acreditamos que parte disso aconteceu porque, não se tratava essa vez de um lugar de passagem. Mas de um lugar de estar... ou seja, as pessoas não se interromperam em percurso para nos ver sensibilizadas por não sei o que desconhecido... Dessa vez elas estavam e um evento estranho as atravessou e elas reagiram das formas mais doces, mas mais brutas e terríveis também.



Terríveis como um chute no peito com ameaça de espancamento, terríveis como gritos e dizeres sexitas, terríveis como crianças que empurravam e cutucavam a atriz cegada por uma venda...



Belas como aquela única que se dispôs a dar a mão para a santa, a mesma que mais tarde se dispôs a dançar com a cega, e como os olhares lacrimosos ao fim, concordantes com o embate do sensível diante de um mundo de aparências no qual nada pode desestabilizar minha possibilidade de dizer que "está tudo bem" enquanto alguém te pisoteia e você pisoteia alguém com a mais enfadonha tranquilidade.



Todas as histórias apresentam um antagonista... um antagonista que é o legislador, mantenedor da ordem, afirmador do poder... ele encontrou seus espelhos em Araras... E nós, diante desse emaranhado de antagonistas, buscando sempre o vínculo com aqueles seres diferentes, se excedendo qual flor diante da pedra, tivemos a violenta certeza de que, sim, a ficção é o real e o real é ficção, e de que, sim, nosso embate ou nosso ruído ou nosso desejo de nos expormos sensíveis, tem sentido em fato sentido...



Essa última e dura apresentação nos impele com potência a certeza de continuar dom quixoteando moínhos...

2 comentários:

Anônimo disse...

a transfiguração do não real para o real nos toma de forma tuburlenta.
É tão sensorial!
Viva!!

Patricia Leandra Pinheiro disse...

Olá, meu nome é Patricia e sou mestranda da UDESC. Minha pesquisa é voltada para o estudo de grupos que se utilizam do espaço urbano para suas apresentações teatrais. Meu orientador, Prof. André Carreira sugeriu que eu entrasse em contato com vocês. Eu gostaria de saber se existe a possibilidade de eu ter acesso à vídeos e ou materiais escritos para compreender melhor o trabalho do grupo.

Agradeço a atenção.
Aguardo retorno
Patricia Leandra Pinheiro
patricialeandra@gmail.com